Populismo de direita cresce na África do Sul, com nova legenda anti-imigração
A África tem muitos problemas, mas o populismo de direita nunca foi um deles. Isso pode estar mudando, com o surgimento de um partido com uma plataforma anti-imigração no país mais importante do continente.
Formado em agosto de 2020, o ActionSA tomou de assalto o cenário político da África do Sul, repetindo o sucesso que legendas que correm no mesmo campo têm obtido em diversos países, do Chile a Portugal.
Nas eleições locais realizadas na semana passada, capturou 16% dos votos em Johannesburgo, coração econômico do país, ficando num surpreendente terceiro lugar.
Foi bem também em outras regiões metropolitanas. Por ser uma legenda recém-criada, ainda não está organizada na grande maioria das cidades pequenas e zonas rurais, ainda dominadas pelo tradicional Congresso Nacional Africano (CNA), partido que foi de Nelson Mandela, e outras legendas de caráter étnico.
Assim, no cômputo nacional, recebeu apenas 1,8% dos votos, mas isso não impediu que fosse tratada como a grande novidade da eleição, e com perspectivas de causar impacto na votação para Congresso e presidente, prevista para 2024.
O ActionSA é comandado por Herman Mashaba, um ex-prefeito de Johannesburgo, o que explica parte de seu sucesso na cidade. Mas essa não é a história toda. Diversas das políticas que a legenda defende tiveram ampla ressonância entre um eleitorado de classe média cansado de corrupção, insegurança e incompetência por parte do atual governo, do CNA.
O manifesto do partido mistura a defesa de medidas liberais para a economia e pulso firme na defesa da ordem. A legenda diz, em seu manifesto, que reconhece o impacto socioeconômico do legado das décadas de discriminação sofrida pela população negra durante o regime do apartheid, que vigorou até 1994.
Mas sua resposta para corrigir esses problemas passa longe do consenso existente hoje na África do Sul em torno das políticas de ação afirmativa.
“Rejeitamos as políticas fracassadas do Black Economic Empowerment [Empoderamento Econômico Negro, nome pelo qual essas políticas são conhecidas] e das ações afirmativas da forma como são implementadas pelo atual partido no poder”, afirma a legenda.
Em linha com o ideário liberal, o ActionSA relativiza a importância da redução das desigualdades. Fala em “igualdade de oportunidades, não igualdade de resultado”.
Em outras palavras, é preciso criar políticas que deem chance a todos de progredir por seus próprios meios, com investimentos pesados em educação, sem focar tanto na distribuição de renda acumulada.
“Apoiamos uma economia competitiva, orientada pelo mercado, com interferência mínima do governo”, diz o manifesto.
Ao falar sobre programas de assistência social, o partido defende que sejam mais focados, e que o mais importante é estimular as pessoas a “trabalhar e ter controle sobre seu futuro”.
Ao enveredar por outras áreas, o ActionSA mostra uma face mais conservadora. No caso da educação, prega que “salas de aula nunca sejam playgrounds políticos”, uma pregação que tem ecos do debate no Brasil sobre o Escola Sem Partido.
Na área da segurança, defende endurecimento penal, num país em que a criminalidade historicamente é um problema sério, como no Brasil.
“Devemos reformar nosso sistema de justiça criminal e fortalecer nossos agentes da lei para assegurar que sejam os criminosos, e não os cidadãos respeitadores da lei, que vivam com medo”.
É quando menciona a imigração que o partido começa a brincar com fogo. Potência econômica do continente, a África do Sul atrai migrantes pobres de diversos países vizinhos, como Moçambique, Zimbábue, Zâmbia e Congo.
“Nosso sistema de imigração precisa ser revisto para atrair migrantes qualificados, e ao mesmo tempo reprimir o ingresso de migrantes sem documentos através de nossas fronteiras porosas”, afirma o manifesto do partido.
Esse tipo de discurso é bastante perigoso na África do Sul, em que o sentimento xenófobo vem crescendo de forma acelerada. Periodicamente, há erupções de violência contra imigrantes em grandes cidades, em que as vítimas se contam às dezenas.
Num país ainda muito dominado por partidos tradicionais, o ActionSA dificilmente fará parte de um governo nacional no futuro próximo. Mas provavelmente ocupará espaço no Congresso e, talvez, controle sobre alguns entes locais.
Para os otimistas, sua chegada ao palco da política sul-africana oferece um arejamento necessário para um sistema partidário viciado, apresentando ideias interessantes sobre a economia.
Mas os pessimistas têm razão em temer que tudo do que a África não precisa nesse momento é adicionar populismo de direita a um continente que até o momento vinha escapando dessa praga.