Com bate-bocas e defesa da liberdade, TV Jovem Pan repete cacoetes do rádio
A TV Jovem Pan estreou em canais por assinatura nesta quarta-feira (27) mostrando seu cartão de visitas de emissora alinhada à direita, e não apenas em razão da simpatia que a maioria de seus comentaristas demonstra pelo governo de Jair Bolsonaro (sem partido).
O canal martelou, em suas primeiras horas de existência, a defesa da “liberdade”, hoje um grito de guerra do universo destro, usado como justificativa para a veiculação de praticamente qualquer tipo de conteúdo, não importa se verídico ou nem tanto.
O tema permeou o noticiário e intervalos comerciais. A deputada federal bolsonarista Alê Silva (PSL-MG) surgiu numa inserção sobre o tema, com vinheta e tudo, pregando contra qualquer regulação de manifestação.
“A liberdade de expressão não deve ser regulamentada, porque se trata de um termo bastante relativo. Ou seja, o que pode ser liberdade de expressão para alguns pode não ser para outros”, pregou.
Pouco tempo depois, apareceu o comentarista Rodrigo Constantino, uma das estrelas da emissora, fazendo propaganda de um curso sobre pensadores de direita.
“Você sabe por que acontece a doutrinação ideológica? Porque o obscurantismo é do interesse de mentes manipuladoras”, afirmou ele, para depois vender o conteúdo oferecido como “antídoto contra a desinformação”.
Na parte editorial, o presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Felipe Santa Cruz, foi escalado para uma entrevista sobre o mesmo assunto, mas que parece não ter seguido o script desejado pela emissora. Talvez por isso, tenha sido bastante curta.
À pergunta do âncora sobre ameaças atuais à liberdade de expressão, Santa Cruz respondeu com a defesa do jornalismo profissional e a denúncia de ataques contra repórteres, sobretudo mulheres. Ataque que, como se sabe, partem sobretudo de apoiadores do presidente e são estimulados pelo chefe de Estado.
Em nova tentativa, houve um questionamento sobre supostos excessos de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), hoje considerados pela direita bolsonarista os maiores agressores da liberdade, mas Santa Cruz não mordeu a isca. O máximo que fez foi criticar o excesso de exposição por parte de alguns integrantes da corte.
O canal é um mix de programas já conhecidos da rádio Jovem Pan, em que impera a discussão acalorada (e às vezes física) entre comentaristas, e noticiários em formato mais convencional.
No “Morning Show”, que discute o noticiário do dia, novamente o tema da liberdade veio à tona, com uma configuração que privilegiava as posições pró-Bolsonaro.
Espremido entre os bolsonaristas Adrilles Jorge e Zoe Martinez, o economista Joel Pinheiro da Fonseca apresentou visões mais centristas sobre pautas como a prisão do líder caminhoneiro Zé Trovão, as declarações homofóbicas do jogador de vôlei Mauricio Souza e a exigência de passaporte da vacina, enquanto era bombardeado por seus dois adversários.
Para Adrilles e Zoe, todos estes assuntos são parte de um mesmo contexto de ameaça às liberdades individuais –mesmo que seja as de incitar agressões aos ministros do STF, rejeitar “doutrinação homossexual” em gibis ou não querer se vacinar.
Outros sinais de alinhamento à linha do governo federal pontuaram a programação, caso da forma como foram apresentados os número da pandemia.
Ao lado das estatísticas sobre contaminados, mortos e vacinados, também foram exibidos em destaque os “recuperados” da doença, o que trouxe ecos do famigerado “placar da vida” criado pelo Ministério da Saúde no início da crise sanitária,
O próprio Bolsonaro deu duas entrevistas para a emissora com uma diferença de poucas horas, sendo que na segunda delas, ao programa Pânico, abandonou o microfone em meio a um bate-boca.
Em alguns momentos, a emissora procurou passar uma mensagem de mais moderação e pluralismo, chegando a dar destaque a comentaristas antibolsonaristas e a entrevistar opositores do presidente, como o governador de São Paulo, João Doria (PSDB).
Mas o primeiro dia do novo projeto mostrou que os cacoetes que fizeram a fama da Jovem Pan no rádio parecem que também vieram para ficar em sua versão televisiva.