Lançamento de filme tem volta de Regina Duarte, diretor da Abin sem máscara e nata do bolsonarismo
Foi, com o perdão do exagero, uma espécie de noite do Oscar da direita.
Num momento em que o bolsonarismo enfrenta crises na política e na economia, além da queda de popularidade do presidente, o lançamento do filme “Nem Tudo se Desfaz”, do cineasta pernambucano Josias Teófilo, mostrou que a base conservadora ainda mantém parte de sua vitalidade.
O evento na noite desta segunda-feira (20), no Petra Belas Artes, em São Paulo, foi um “quem é quem” do mundo destro. Estiveram por lá políticos, ativistas e influenciadores digitais da direita alinhada ao presidente Jair Bolsonaro e a seu guru filosófico, Olavo de Carvalho. O próprio Josias é um olavista assumido.
A grande estrela da noite, sem dúvida, foi a ex-secretária nacional de Cultura Regina Duarte, que reapareceu após um longo período de hibernação, desde que deixou o cargo, em maio do ano passado.
Também estiveram por lá o diretor-geral da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), Alexandre Ramagem (que não usava máscara, como muitos dos presentes), o ex-secretário de Comunicação da Presidência Fábio Wajngarten, deputados federais como Carla Zambelli (PSL-SP), Bia Kicis (PSL-DF) e Hélio Lopes (PSL-RJ) e estaduais como Douglas Garcia e Gil Diniz, ambos eleitos (e expulsos) pelo PSL.
Outra presença muito festejada foi a de Roxane Carvalho, mulher de Olavo, que está em tratamento médico em São Paulo e por isso não pôde comparecer.
“Ele queria muito estar aqui, gosta muito do Josias, mas não foi possível. Eu vi aqui para representá-lo”, disse ela. “Olavo está bem, segue se recuperando em casa”, afirmou ela, que acrescentou não haver previsão de retorno do casal aos EUA, onde vive.
Segundo Roxane, o fato de o filme ter sido feito é algo importante, “para termos o registro histórico do que aconteceu no Brasil nos últimos anos, para ser mostrado às novas gerações”.
O documentário tem como foco o período que começa nas manifestações de junho de 2013 e termina na posse de Bolsonaro, em janeiro de 2019.
Com depoimentos, imagens de arquivos e uso de muitos recursos sonoros, busca construir uma linha narrativa em que um fato leva a outro: Lava Jato, impeachment, prisão de Lula, campanha de Bolsonaro, facada, vitória e posse.
Foram três anos de trabalho, diz a produtora-executiva do filme, Roberta Claudino. “Eu me lembro do dia em que o Josias me ligou dizendo que estava pensando em fazer um filme sobre a campanha do Bolsonaro e perguntando o que eu achava. Eu disse que achava que qualquer coisa com Bolsonaro ia dar muito certo”, afirmou.
Para Josias o filme mostra que na história dos grandes movimentos revolucionários, “nada é novo, tudo se repete”. Vem daí o título, uma espécie de resposta ao bordão do Manifesto Comunista, de que “tudo que é sólido desmancha no ar”.
Dentro da sala de cinema, o trio formado por Regina Duarte, Kicis, Zambelli era dos mais animados, fazendo selfies e compartilhando fotos. As deputadas transmitiam ao vivo os momentos anteriores à exibição do filme, como se fosse uma cerimônia do tapete vermelho.
Integrantes do Movimento Conservador, grupo formado por ativistas que tem como maior liderança o deputado Douglas Garcia, faziam algazarra. “Um, dois, três e Xandãããão”, diziam, antes de sorrir para fotos (para quem não pescou a referência, é uma “homenagem” ao ministro do STF Alexandre de Moraes, relator do inquérito das fake news).
Ao ser chamado pelo diretor ao palco antes do início da sessão, o narrador oficial do filme, Reynaldo Gonzaga, gerou um frisson coletivo ao dizer, com seu vozeirão característico: “Brasil, um país de todos”. Era uma brincadeira com o slogan do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, entoado por ele na propaganda oficial da época.
Antes do filme começar, Josias fez um discurso contundente, em que deixou marcadas suas diferenças com relação à política cultural do atual governo. Ele é desafeto do secretário Mário Frias, que não foi convidado.
“O presidente felizmente recuou de acabar com a Lei Rouanet. Em todo país do mundo cinema se faz com incentivo fiscal. Esse governo precisa parar de dizer que incentivo é mamata, coisa de vagabundo. Aqui não tem nenhum vagabundo”, disse o diretor, apontando para sua equipe.
A apresentação do evento ficou a cargo da dupla Brasileirinhos, cujo canal no YouTube que virou cult entre a direita bolsonarista. É formada por um homem vestido de palhaço moicano e outro com máscara de gato, que protegem suas identidades a todo custo.
São conhecidos pela crítica ácida à direita liberal que, segundo eles, se julga superior aos bolso-olavistas, para quem criaram o bordão “prudência e sofisticação”.
“Ano que vem vai ser um pega para capar”, disse o palhaço, em referência à campanha eleitoral de 2022. A princípio, eles pretendem apoiar a reeleição do presidente. “Pode dar a louca nele, de repente virar traveco, sair virando cambalhotas por aí. Mas por enquanto, estou apoiando, sim”, afirmou.
O filme, num primeiro momento, será mostrado em sessões especiais, como a ocorrida em São Paulo. Já estão confirmadas exibições no Rio de Janeiro, Brasília, Fortaleza, Belém, Recife e Blumenau, e a lista deve crescer. Até o final do ano, o documentário entra também no site oficial do filme e em serviços de streaming.
“Filmes como esse são importantes para despertar a consciência cultural da direita”, disse o youtuber Paulo Kogos, que chamou a atenção no ano passado por levantar um cartaz “vacina mata, cloroquina salva” em frente a um posto de imunização em São Paulo, em março deste ano.
Segundo ele, a direita tem unidade de ação nas áreas política e econômica, mas não na cultural. “Neste ponto, a esquerda saiu na frente, por seguir uma ideologia muito forte, o marxismo. A direita, até por privilegiar o indivíduo, é mais dispersa. Precisamos melhorar nesse ponto”, afirmou.
Ao fim da premiére, o filme foi bastante aplaudido e a nata do bolsonarismo ali presente saiu energizada para levar a mensagem conservadora adiante. E quem sabe ajudar o capitão a decolar novamente no ano que vem.