A direita e a teoria do ‘Talibã vermelho’

Dos mesmos criadores de “o nazismo é de esquerda”, vem aí “o Talibã é de esquerda”.

Incrivelmente, a associação do grupo fundamentalista islâmico que tomou controle do Afeganistão com ideias marxistas circulou em redes bolsonaristas durante esta semana. Talibã que, não custa lembrar, aplicou uma surra na antiga União Soviética, maior símbolo do comunismo, nos anos 1980.

Mesmo delirante, a teoria de um Talibã vermelho responde a um sentimento concreto dos conservadores, e não apenas no Brasil. A direita ficou em polvorosa com a queda do Cabul, basicamente por três razões.

A primeira é por puro oportunismo político, já que o fiasco caiu na conta do presidente dos EUA, o democrata Joe Biden. As cenas de caos no aeroporto da capital e as promessas irreais de que o Exército afegão resistiria ajudaram a caracterizar Biden como um presidente fraco.

Críticas pesadas vieram inclusive de setores da esquerda, que foram amplificadas por conservadores. Nesse caso, esqueceu-se, convenientemente, que o movimento para a retirada das tropas americanas de solo afegão foi deflagrado pelo antecessor de Biden, o republicano Donald Trump.

Mas isso não importa: a humilhação ajuda a consolidar a versão de que presidentes democratas são fracotes em política externa, e que valentes mesmo são republicanos como Trump, Bush pai e filho (que atacaram o Iraque) e, sobretudo, Ronald Reagan, vencedor da Guerra Fria.

A segunda razão deriva da primeira, mas tem um pouco mais de embasamento: a saída atabalhoada dos EUA do país asiático, deixando os afegãos entregues à própria sorte, provoca uma crise de credibilidade para os americanos.

Pior, abre espaço para o crescimento da Rússia e, sobretudo, da detestada China, que já constrói laços com os caciques talibãs, pensando em influência e negócios futuros. Depois do Afeganistão, alguém mais pode se sentir seguro da proteção americana? Como ficam Taiwan, Israel ou Ucrânia, por exemplo?

Por fim, os acontecimentos desta semana representam um incontestável triunfo de marketing para uma vertente radical do islamismo.

Nas últimas décadas, o conservadorismo de fundo cristão se exacerbou, no Brasil e em outros países, e grande parte da direita se vê em uma guerra religiosa. Isso se manifesta, por exemplo, no crescimento de campanhas promovidas por grupos de direita contra a perseguição a cristãos em países de maioria muçulmana.

Nos primeiros dias após a revolução no Afeganistão, circularam relatos de missionários sendo perseguidos e ameaçados no país asiático.

Um exemplo de mensagem postada em um grupo bolsonarista: “Hoje, infelizmente, confirmaram a triste e terrível notícia que 229 missionários cristãos foram condenados à morte amanhã à tarde pelos islâmicos afegãos. Por favor, transmitam esta mensagem o mais rápido possível para que muitas pessoas possam orar”.

Relatos assim são difíceis de serem comprovados, e têm alta chance de serem boatos sem fundamento. Mas o alerta foi dado em grupos de direita, o que bastou para causar alvoroço.

A combinação de derrota humilhante para os EUA, fraqueza política da Casa Branca, possível ascensão da China e, cereja do bolo, vitória do islã, eletrizou setores de direita no Brasil.

Não faltaram também tentativas de associar os extremistas afegãos com o PT e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, lembrando da relação simpática que seu governo teve com grupos palestinos.

Palestina que fica, como sabemos, a 4.000 km de Cabul. Não importa. É o que basta para a teoria do Talibã vermelho.