Refugiado no Brasil, ativista liberal cubano diz que mudança na ilha será gradual
“Menos Marx, mais Mises” é um dos principais slogans de liberais, entoado de forma despreocupada pelo mundo. Mas em Cuba, ditadura onde o marxismo é quase uma religião, bradar essas palavras requer coragem.
Foi essa audácia que caracterizou um grupo de cubanos em 2015, quando tiveram o peito de criar, em plena ilha comunista, uma versão local do Instituto Mises. A instituição existe em diversos países e homenageia um dos pais da chamada Escola Austríaca do liberalismo, Ludwig von Mises (1881-1973).
Por lá, o nome oficial é Instituto Mises-Mambí de Cuba (“mambí” é uma referência a guerrilheiros que lutaram pela independência no século 19, quando a ilha era colônia espanhola). E um de seus fundadores vive no Brasil.
O advogado Nelson Chartrand, 55, refugiou-se em Salvador em 2018, onde atualmente trabalha para uma empresa que presta serviços para universidades.
É um autodeclarado anarcocapitalista, defensor de uma forma extremada de liberalismo que prega o fim do Estado e a regulação de todas as atividades cotidianas pelo setor privado. Em Cuba, obviamente, ele era um corpo estranho, para dizer o mínimo.
“Em Cuba, pensar diferente é um delito”, afirma Chartrand, que diz ser vítima da Revolução que levou Fidel Castro ao poder, em 1959, como todos os seus 11 milhões de compatriotas. “Quando triunfou a revolução, os ditadores [Fidel e seu irmão, Raúl] fizeram um experimento diabólico, de tentar construir o ‘homem novo’. Também fui vítima deste experimento”, diz.
O Instituto Mises cubano funciona de forma clandestina, e sob constante vigilância, diz ele. São algumas centenas de membros ativos, que dão cursos sobre liberalismo, organizam clubes de leitura, mantêm uma biblioteca em Havana, lançam manifestos, escrevem artigos e ocasionalmente fazem algum tipo de manifestação de rua.
“Nosso objetivo é simplesmente espalhar as sementes da liberdade em Cuba, oferecer um novo pensamento alternativo”, afirma ele.
Nas recentes manifestações que surpreenderam o regime, em 11 de julho, os liberais do Mises estavam presentes, carregando cartazes. Dois de seus integrantes, Marisol Peña Coba e seu marido, José Luís Acosta, acabaram presos.
Chartrand também sofreu no cárcere cubano. Antes mesmo de fundar o instituto ele já era ativista, trabalhando como jornalista independente, e acabou preso por ordem do regime em 2008, acusado de atividades antirrevolucionárias. Ficou dois anos atrás das grades, mas a experiência não o inibiu.
Pelos anos seguintes, suportou a rotina de intimidação e ameaças por parte das autoridades, com visitas ocasionais à polícia, até que finalmente chegou ao seu limite. Rumou para a Guiana, um dos poucos países que têm acordo de viagem com Cuba, e de lá atravessou a fronteira para o Brasil. Por meio de contatos que tinha com liberais brasileiros, foi parar em Salvador, onde se fixou.
Mesmo de longe, ele se mantém atuante no pequeno movimento liberal cubano, administrando diversas páginas na internet sobre liberalismo.
Sua vontade, claro, era estar presente às manifestações em Havana. Ele faz uma comparação com a última vez em que os cubanos saíram às ruas, em 1994, em meio a outro período de crise econômica, provocada pelo fim da ajuda da União Soviética.
“Naquele momento Fidel saiu à rua para falar com as pessoas. Ele tinha o povo, o povo era fidelista. E não aconteceu nada, tudo se acalmou. A diferença é que agora não há Fidel”.
Embora grande parte da população esteja insatisfeita, acredita o advogado, ainda existe apoio significativo ao regime. E, mais importante, há todo um aparato de repressão montado para evitar qualquer fresta de abertura. “Por um movimento de autoconservação, o regime não pode abrir nem um pouquinho. Se tem que matar dez, matam dez”.
Como liberal, ele não vê com bons olhos o embargo econômico americano a Cuba, mas acha que esse ponto é supervalorizado no debate. “É impossível falar de embargo quando Cuba tem relações econômicas com mais de 170 países. Não perco um minuto com ele, que só serve de justificativa para a ação dos tiranos cubanos”.
O movimento popular, afirma Chartrand, é um marco, mas ele se diz realista quanto às reais de possibilidades de provocarem a queda do regime de forma imediata.
“Não acho que isso vá tombar o regime, mas é uma injeção letal para uma ditadura que está morrendo. Vai haver mudanças, mas gradualmente”, afirma.