Por que a direita, como os paulistas derrotados em 1932, torce o nariz para Getúlio?

Paulistas, como se sabe, têm um problema com Getúlio Vargas. O principal motivo é a Revolução Constitucionalista, cujo início completa 89 anos nesta sexta-feira, 9 de julho.

Basta ver as raras homenagens ao ex-presidente (e ex-ditador) em praças, ruas e avenidas de São Paulo, ao contrário de sua onipresença no restante do país.

Mas não é só a população do maior estado da Federação, derrotado de forma categórica na rebelião de 1932, que torce o nariz para Getúlio. A direita também desgosta, e muito, do mais influente líder político da história brasileira, goste-se ou não dele.

Esse sentimento tem aflorado de maneira mais intensa nos últimos tempos. Na manifestação das oposições em 3 de julho, um enorme banner com a imagem do “pai dos pobres” chamou a atenção em meio à paisagem de bandeiras vermelhas, levado por manifestantes ligados ao PDT.

Isso foi suficiente para atiçar representantes da direita, como a deputada federal bolsonarista Carla Zambelli (PSL-SP):

O comentarista político Rodrigo Constantino escreveu que “a defesa incondicional do mais longevo ditador brasileiro é uma constante entre alguns partidos de esquerda”.

Já o jornal de tendência conservadora Gazeta do Povo, do Paraná, disse que “na contramão da história, partidos de esquerda exaltam o fascista Getúlio Vargas”.

Outros perfis lembraram do flerte de Vargas com o nazifascismo, da tortura e repressão no período 1937-45, e do fato de ele ter enviado a judia comunista Olga Benário, grávida, para ser morta num campo de concentração na Europa.

Getúlio é uma figura complexa, certamente a mais polarizadora da história brasileira, e suscetível a despertar sentimentos de ódio e idolatria, muitas vezes simultaneamente.

Como dizia Otavio Frias Filho, diretor de Redação da Folha que morreu em 2018, Getúlio Vargas é igual colesterol, tem o bom e o ruim: o que criou nossa legislação trabalhista e o que foi um ditador brutal.

Por isso, ele é uma figura conveniente para ser modelo ou espantalho no debate público, e um convite à contradição.  A esquerda, que denuncia o regime militar dos anos 1970, muitas vezes minimiza a violência do Estado Novo varguista.

Já a direita critica Getúlio por diversas razões. Uma delas é de fundo mais histórico, em razão da oposição que o presidente sofria do principal partido conservador do período, a UDN (União Democrática Nacional).

Essa sigla tinha como sua principal liderança Carlos Lacerda, jornalista e político, que foi governador do Rio de Janeiro e fez carreira denunciando o “mar de lama” associado ao presidente.

Lacerda é hoje uma figura venerada por parte da direita brasileira, que o repaginou como um liberal econômico e social (varrendo pra debaixo do tapete seu pouco apreço às instituições e seu golpismo exacerbado).

Além disso, conservadores consideram a herança do Estado varguista um atraso para o desenvolvimento do país. Desmontar a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) é uma de suas prioridades.

Há ainda uma terceira razão para os ataques, que é mais pragmática, para não dizer oportunista.

A direita brasileira odeia ser chamada de fascista, um xingamento que costuma ouvir com frequência. E Getúlio foi um dos líderes brasileiros que mais se aproximaram do fascismo italiano, chegando a flertar com o apoio ao Eixo na Segunda Guerra Mundial.

Criticar o ex-presidente, assim, é uma maneira de a direita repudiar essa alcunha e inverter o jogo, dizendo para a esquerda: quem gosta de fascista são vocês.

Conforme os protestos contra Bolsonaro crescem e a campanha eleitoral do ano que vem se aproxima, podemos esperar novas imagens do ex-presidente circulando pela avenida Paulista e outras vias importantes do país.

E também reações cada vez mais ferozes dos conservadores, quase 70 anos depois da morte de Getúlio.