‘Manhattan Connection liberal’ relativiza desigualdade em programa de estreia
Quatro pessoas debatendo em frente às câmeras de modo informal, mesclando conversa séria com piadas e gozações.
Este formato de programa foi consagrado no Brasil nos anos 1990 pelo “Manhattan Connection” (atualmente na TV Cultura), e copiado diversas vezes ao longo das últimas décadas. Agora, chegou a versão liberal do bate-papo.
Poderia chamar Chicago Connection ou Viena Connection, mas o nome é “Honoris Causam”, e é promovido pelo Instituto Mises Brasil, que o transmite por meio de seu Instagram.
Participam o diplomata Gustavo Maultasch, o diretor-executivo do Livres, Magno Karl, e o jornalista e escritor Leandro Narloch, mediados por Adriano Paranaiba, diretor-acadêmico do Mises.
A primeira edição do que pretende ser um programa mensal foi ao ar na última quinta-feira (17), com o tema “A Mentalidade Anticapitalista no século 21” (veja a íntegra aqui). A referência é a uma das obras seminais do liberalismo no século 20, publicada em 1956 pelo austríaco Ludwig von Mises.
Amplo, o assunto permitiu que os debatedores discorressem durante pouco mais de uma hora sobre pontos como desigualdade, riqueza e meritocracia, numa conversa com muitos momentos de sarcasmo e críticas à esquerda.
“Eu comecei péssimo, com a minha Coca-Cola aqui, eu deveria ter trocado pela água”, disse Magno logo no início, segurando uma latinha do refrigerante, referência à atitude do jogador português Cristiano Ronaldo, em entrevista durante a Eurocopa, que viralizou.
Críticas a milionários que atacam o capitalismo se sucederam, com os debatedores apontando hipocrisia e a necessidade constante de esquerdistas parecerem altruístas em redes sociais, enquanto desfrutam dos prazeres do livre mercado.
“Lembro de quando o Lula tomou um vinho Romanée Conti [na campanha presidencial de 2002]. E na época houve a defesa dele. É engraçado como esses argumentos, esses conceitos vão mudando”, apontou Narloch.
Segundo os debatedores, uma das formas como a mentalidade anticapitalista se manifesta com mais clareza é na inveja ao sucesso dos ricos.
“Esse ressentimento contra os ricos é a coisa que mais move a esquerda, muito mais do que um desejo de ajudar os pobres”, afirmou Narloch.
Maultasch apontou uma contradição em fala recente da presidente do PT, Gleisi Hoffmann, que criticou a decisão do bilionário americano Jeff Bezos de gastar US$ 2 milhões numa viagem ao espaço. Para Gleisi, isso seria imoral, já que muitas pessoas passam fome no mundo.
“Se você tiver que sentir a dor de milhões de pessoas morrendo de fome, não é viagem espacial que é o teu problema. Qualquer coisa passa a ser o teu problema”, disse. “A culpa é parte da mentalidade anticapitalista. Você não pode ser feliz”, prosseguiu.
Paranaiba lembrou que muita gente chegou a vitimizar o apresentador Fausto Silva, dono de um dos maiores salários da TV brasileira, que acaba de ter seu contrato encerrado pela Rede Globo.
“Faustão saiu com uma mão na frente outra atrás, coitado. Isso é culpa do capitalismo”, ironizou o mediador. “Vai ter que entrar na fila do auxílio emergencial”, completou Magno.
A discussão sobre a desigualdade, um dos pontos que mais diferenciam liberais de progressistas, tomou grande parte do debate.
Para Narloch, a desigualdade de renda está ficando cada vez menos relevante, graças à revolução tecnológica. “Hoje o [bilionário investidor] Warren Buffet e uma empregada doméstica podem ver a mesma Netflix. Os celulares deles não são iguais, mas fazem muitas das mesmas funções, e se comunicam”, afirmou.
Segundo o escritor, o fato de haver gente muito rica tem um lado que beneficia toda a sociedade. “Se existem muitas fortunas acumuladas, essas pessoas podem desperdiçar o dinheiro delas com inovação. Isso é um benefício da desigualdade”, disse.
Mas os liberais, disse Maultasch, têm tido muita dificuldade de definir os contornos dessa discussão. “Essa batalha não está sendo vencida pelo anticapitalismo? Onde você vai, o discurso igualitarista está vencendo, em tudo quanto é lugar”, lamentou.
Até na discussão eleitoral, disse ele, é difícil remar contra uma maré que não se restringe às candidaturas de esquerda. “A Terceira Via tem que pagar o pedágio do discurso de que precisamos superar as desigualdades”, afirmou.
Outro ponto sensível para a direita é o debate sobre a chamada meritocracia, também discutido na live. Para começo de conversa, disseram os participantes, esse é um termo com os quais os liberais têm certa dificuldade, até pela carga pesada que adquiriu.
“Meritocracia é conversa fiada quando você tem pessoas partindo de condições diferentes?”, provocou Paranaiba, usando um argumento de esquerda.
Para Magno, “meritocracia é uma armadilha que armaram para os liberais, e os liberais estão pulando igual pato”. “Meritocracia debatida de forma vulgar me lembra o neoliberalismo, que é um conjunto de ideias que ninguém jamais defendeu, jamais assumiu, mas de repente virou um tema do debate”, afirmou.
Concretamente, disse o diretor do Livres, meritocracia tem a ver com premiar o bom desempenho. “A gente precisa de um critério para avaliar pessoas. Você prefere que seja pelo mérito ou pelo sobrenome da família?”, questionou.
Ou, como disse Narloch, alfinetando o youtuber Felipe Neto, que recentemente escreveu sobre os males do capitalismo: “É como o Felipe Neto ir ao restaurante e não dar a gorjeta para o garçom que o atendeu bem, mas ao que o atendeu mal”.