Novo filme da Brasil Paralelo mostra o contra-ataque da direita na questão ambiental
Logo em sua primeira cena, “Cortina de Fumaça”, novo documentário da produtora conservadora Brasil Paralelo, choca o espectador.
“A cabeça está aí”, diz uma voz de homem, enquanto a câmera mostra o trabalho para desenterrar uma criança indígena ainda viva. “Nós estamos escutando os gemidos do bebê”, completa uma mulher, antes de o corpo frágil ser resgatado.
Desta forma, com uma denúncia sobre o infanticídio praticado por algumas tribos indígenas, tem início uma produção de quase duas horas que, se não segue o tempo todo na mesma toada forte de seus segundos iniciais, também não economiza na contundência.
O filme estreou no YouTube na noite de segunda-feira (14), carro-chefe de uma empresa que rapidamente tem aumentado visibilidade, faturamento e influência entre formadores de opinião de direita.
Já são quase 200 mil assinantes e faturamento previsto de R$ 60 milhões para 2021, nada mal para uma produtora que era pouco mais do que um projeto de universitários gaúchos antes dos anos Bolsonaro.
A escolha dos temas em que a Brasil Paralelo investe ajuda a entender como andam as prioridades dos conservadores em sua autoproclamada guerra cultural contra a esquerda.
No ano passado, a maior aposta foi numa trilogia sobre educação, o que faz sentido, já que fincar um pé no ambiente acadêmico, há muito visto como reduto marxista, é considerado estratégico pela direita. Também houve produções recentes, mas de menor impacto, sobre o Supremo Tribunal Federal, a Argentina e, claro, a pandemia.
O grande tema agora é a questão ambiental, e é a isso que “Cortina de Fumaça” se dedica, misturando a pujança do agronegócio, a influência tida como nefasta das ONGs ambientais, o “alarmismo” sobre a devastação amazônica e a instrumentalização da questão indígena pela antropologia de esquerda.
Há diversas razões para esse combo ter sido alçado ao topo das prioridades para a direita. O tema interessa diretamente aos ruralistas, que se tornaram um dos segmentos mais dinâmicos da economia e um dos grupo politicamente mais influentes entre os conservadores em geral, e no apoio a Bolsonaro em particular.
O enfrentamento do chamado lobby ambiental é visto como uma questão existencial para o campo. A pressão de governos estrangeiros, sobretudo da Europa, por medidas de proteção de nossa cobertura vegetal é tida como protecionismo disfarçado, o que agrega os liberais pró-mercado à discussão.
Além disso, há a conjuntura política interna, com a turbulenta gestão do ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente), fragilizado por acusações de envolvimento na venda ilegal de madeira. No front externo, a vitória do presidente Joe Biden nos EUA jogou o Brasil na defensiva com relação à proteção da Amazônia.
“Debaixo das nossas vistas, existe a tentativa de se aproveitar das riquezas naturais da Amazônia, para tomar territórios brasileiros e desviar dinheiro público, atacando a soberania e nossa imagem no exterior”, diz o narrador, culpando um consórcio entre ONGs abastecidas com dinheiro de fora e países ricos.
Ao contrário de produções anteriores da Brasil Paralelo, em que se sucediam depoimentos de direitistas, muitos olavistas ou bolsonaristas, dessa vez há uma preocupação maior com a variedade de fontes.
São entrevistadas ex-autoridades ligadas ao agronegócio que participaram de diversos governos, como Alysson Paulinelli (Ernesto Geisel), Xico Graziano (Fernando Henrique Cardoso), Roberto Rodrigues (Lula) e Aldo Rebelo (Lula e Dilma Rousseff). Apesar dessa diversidade, todos têm visão parecida sobre as benesses do agronegócio e o exagero da preocupação ambiental.
Pelo governo Bolsonaro, fala Damares Alves (Direitos Humanos), que criou uma ONG que milita contra o infanticídio em aldeias. Ela diz que no Brasil os índios não podem ser beneficiados pelo progresso capitalista. “Nós decidimos que no Brasil índio tem de ser pelado, no mato, com uma pena na cabeça”, afirma.
Curiosamente, o próprio Salles não aparece e nem é citado no filme. Não há menção aos temas mais espinhosos da agenda ambiental atual, como o desmonte do Ibama ou o avanço do desmatamento, comprovado por imagens de satélites.
Em compensação, há farta referência às ONGs ambientalistas como vilãs, apresentadas como grandes corporações que se preocupam apenas com seus esquemas de financiamento internacional ou em abocanhar nacos do Orçamento brasileiro. O filme escorrega ao reproduzir sem ressalvas “denúncia” do então senador Heráclito Fortes (PFL-PI) sobre a “Sociedade Amigos de Plutão”, ONG fictícia criada pelo jornalista Carlos Chagas em 2006.
Até esta quinta-feira (17), o filme já contava 351 mil visualizações pelo YouTube, e caminha para ser um dos maiores sucessos desta produtora que cada vez mais se consolida como uma espécie de “Netflix da direita”. Isso mostra que entre os conservadores, mais até do que entre a população em geral, o agro é realmente pop, o agro é tudo.