Entidades acadêmicas fazem parceria para aproveitar embalo do liberalismo
Se os liberais puro-sangue no Brasil cabem numa Kombi, a Escola Austríaca é uma espécie de Kombi dentro da Kombi.
Essa linha de pensamento sempre foi vista com certo desdém pelo liberalismo mainstream, por misturar conceitos filosóficos e comportamentais à parte mais “dura”, digamos assim, da prática econômica. “Austríaco não faz conta” é uma provocação comum que os adeptos desta escola precisam ouvir.
De uns anos para cá, essa imagem tem mudado gradualmente, por obra de entidades dedicadas ao tema, como o Instituto Mises Brasil e o Centro de Liberdade Econômica da Universidade Mackenzie, entre outros clubes e sociedades menores.
Ao ponto que hoje, a Escola Austríaca é mais influente no Brasil do que em países como os EUA, onde é vista como algo quase folclórico, com seus libertários e proponentes do anarcocapitalismo.
Um novo passo nessa popularização está sendo dado por duas instituições que homenageiam a mais influente dupla de economistas austríacos do século 20: Ludwig von Mises (1881-1973) e Friedrich Hayek (1899-1992). É uma parceria do Mises Brasil, criado em 2007, com o Hayek Global College, fundado no ano passado.
As instituições farão intercâmbio de professores em seus cursos de pós-graduação e realizarão debates acadêmicos em conjunto. A primeira colaboração será em uma das disciplinas do MBA oferecido pelo Hayek College, que aborda debates históricos sobre as virtudes do livre mercado.
“Hoje, ensino de economia no Brasil é marxismo, e queremos furar essa bolha. Fiz faculdade de economia, mas só no mestrado que eu fui ver liberalismo”, diz Adriano Paranaiba, diretor acadêmico do Instituto Mises Brasil.
O objetivo da parceria, afirma Paranaíba, é promover o liberalismo e a Escola Austríaca em um ambiente intelectualmente hostil. “Tem muita gente trabalhando contra as ideias liberais no Brasil hoje”, afirma.
Ele se refere sobretudo à esquerda, mas também a muitos que se colocam no centro ideológico e enxergam um papel preponderante do Estado como indutor da atividade econômica. São todos adeptos do chamado keynesianismo, seguidores do economista britânico John Maynard Keynes (1883-1946), pai do New Deal americano.
Apesar disso, há progressos, diz Edson Agatti, CEO do Hayek Global College. “A retórica tem mudado muito. Hoje a gente não vê mais privatização como bicho papão”, exemplifica.
Para uma vertente que até recentemente era tida como lateral, alguns sinais interessantes tem surgido, afirma Agatti. “Tem gente discutindo liberalismo no YouTube. Outro dia eu vi até o senador Renan Calheiros falando que é liberal”.
O curso, afirma Agatti, tem o objetivo de suprir uma demanda por um MBA voltado ao liberalismo no Brasil. Sua primeira turma tem 14 estudantes de 11 países, todos conectados on-line, em aulas dadas em inglês. O foco é em capacitar novas lideranças na área de negócios, com estudantes na faixa etária preponderante de 25 a 35 anos.
Uma das inspirações para o curso é a Universidade Francisco Marroquín, na Guatemala, considerada a única instituição de viés totalmente liberal em todas as Américas.
Segundo Paranaiba, que deu aula na universidade guatemalteca em 2016, o momento é de aproveitar o entusiasmo no Brasil com as ideias liberais, que, ao menos formalmente, podem ser encontradas em alguns nichos do governo de Jair Bolsonaro e de administrações estaduais, como as de Romeu Zema (Novo) em Minas Gerais e João Doria (PSDB) em São Paulo.
“Nossa preocupação é ir além da empolgação. O objetivo é oferecer ideias para a discussão de políticas públicas”, afirma ele. Se essas ideias serão aproveitadas na eleição presidencial do ano que vem, diz Paranaiba, é algo que foge ao controle do instituto.
O que não está em discussão, afirma ele, é o papel crescente da Escola Austríaca no debate econômico brasileiro. Aos que provocam os “austríacos” por não gostarem de fazer conta, nem de terem receitas macroeconômicos prontas para o futuro, ele responde na lata. “A gente faz, sim, muita conta. O que a gente não faz é brincar de bola cristal”.