Cinema brasileiro não mostra a facada e só quer saber do impeachment, diz cineasta

Os anos frenéticos entre 2013 e 2018 não deixam nada a dever para outros períodos intensos da história brasileira, como o que vai do suicídio de Getulio Vargas (1954) ao golpe de 1964, ou o compreendido entre a eleição de Tancredo Neves (1985) e a Constituição de 1988, com direito a Plano Cruzado no meio.

Para o cineasta Josias Teófilo, toda esta efervescência, que começa nas manifestações de junho de 2013, passa pela apertada eleição de Dilma Roussef, Lava Jato e impeachment, terminando na eleição de Jair Bolsonaro, ainda é pouco retratada como deveria. Ou seja, como um drama épico.

Esta é a premissa de seu novo filme, “Nem Tudo se Desfaz”, que deve estrear em cinemas pelo Brasil em julho ou agosto (o trailer já está disponível e pode ser conferido aqui). Depois, ainda fará carreira no streaming, com direito a diversos extras.

“É preciso contar a história desses anos na dramaticidade que eles têm. É uma história muito imagética, que não foi explorada pelo cinema brasileiro ainda, inacreditavelmente”, afirma Teófilo.

O problema central, diz ele, é que o cinema brasileiro é “plácido”. “Prova disso é que não se falou até agora como se deveria de um episódio histórico único como foi a facada em Bolsonaro”, diz.

Teófilo é um diretor assumidamente conservador, e que tem proximidade com personagens influentes do governo de Jair Bolsonaro.

Entre os entrevistados por ele no documentário estão dois dos filhos do presidente: Eduardo Bolsonaro e seu irmão Carlos, que é responsável por um dos momentos mais fortes, ao lembrar o momento do ataque contra seu pai, durante a campanha presidencial. Carlos chora e mal consegue falar.

Também participam, entre outros, o filósofo Olavo e Carvalho, o assessor internacional da Presidência, Filipe Martins, e Steve Bannon, que foi conselheiro do ex-presidente americano Donald Trump.

Mas esse elenco não torna o filme oficialesco, diz o diretor. Exemplo disso, afirma, são depoimentos de pessoas que não têm nada de bolsonaristas, como os dos ensaístas e críticos literários João Cezar de Castro Rocha, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), e Idelber Avelar, da Universidade Tulane (EUA).

Ao mesmo tempo, afirma Teófilo, não há pretensão de que o filme seja imparcial na narração dos fatos. “Não quero ser imparcial, é ridículo isso. É uma visão pessoal dos acontecimentos, muitos dos quais eu presenciei”, afirma.

O filme anterior dele, “O Jardim das Aflições”, de 2017, gerou muita polêmica. A produção é baseada num livro de Olavo, e sua exibição em universidades levou a protestos acalorados organizados por estudantes de esquerda, inclusive com ameaças físicas.

“Nem Tudo se Desfaz” tem 1h45min de duração e reúne imagens de arquivos de TVs e cenas obtidas de cinegrafistas independentes, além de vários depoimentos e de uma edição que busca realçar o componente épico do que ocorreu no país.

A trilha sonora foi gravada no Mosteiro de São Bento, em Vinhedo (SP), e a edição mescla tomadas históricas, dos protestos de 2013 e da sessão que aprovou o impeachment de Dilma, por exemplo, com cenas de filmes antigos de terror.

Há também uma discussão sobre os memes, mostrando desde seu surgimento, ainda na era pré-internet, até o poder que eles têm hoje no debate político.

Mas o trecho mais dramático é, obviamente, a facada em Bolsonaro, retratada em diversos ângulos, inclusive numa impressionante imagem aérea do então candidato, cercado pela multidão em Juiz de Fora (MG), momentos antes do ataque.

Segundo Teófilo, há uma verdadeira “operação abafa” sobre a facada no cinema nacional, e outros episódios marcantes da campanha de Bolsonaro de 2018.

Escultura de catraca é queimada por manifestantes em protesto em 2013 (Reprodução)

“O cinema brasileiro, parece, só quer saber do impeachment da Dilma”, diz ele, em referência à profusão de obras que retratam o fato do ponto de vista da presidente derrubada, como “Democracia em Vertigem”, de Petra Costa, e “Alvorada”, de Lô Politi e Anna Muylaert.

Teófilo acredita que o arco que vai de 2013 a 2018 é um momento revolucionário, embora esta seja uma palavra mais ao gosto da esquerda do que da direita. “É um movimento que surgiu espontaneamente, com o povo como protagonista”, diz.

O filme custou R$ 500 mil, diz o cineasta, a maioria vinda de crowdfunding e patrocínios de empresas privadas. Houve ainda R$ 79 mil captados via Lei do Audiovisual.

Ao contrário de outras vozes influentes da direita, ele não demoniza as leis de fomento à cultura, das quais a Rouanet é a mais conhecida. “Eu quero abrir a cabeça da direita sobre a Rouanet. A lei não olha o conteúdo quando aprova um projeto, por isso é tão boa. Ela é a garantia da diversidade no cinema”, diz.