Pequeno, ato em SP mostra que voto impresso e crítica à CPI são prioridades do bolsonarismo
Havia no máximo 200 pessoas na avenida Paulista na tarde deste sábado (15) participando da Marcha da Família Cristã da Liberdade, comparecimento bem inferior ao esperado. Apesar disso, o evento serviu como um bom termômetro para o atual sentimento dos bolsonaristas.
Uma das surpresas foi a presença de uma tenda coletando assinaturas para a criação da Aliança Pelo Brasil, o partido que Bolsonaro anunciou no final de 2019, mas que desde então parecia morto.
O projeto, ao que parece, não está totalmente esquecido, embora mesmo seus adeptos reconheçam que dificilmente a nova legenda estará pronta para a eleição de 2022 –tanto que o próprio Bolsonaro já busca outro partido para se filiar.
“Nós nunca paramos de recolher assinaturas, só fomos atrasados pela pandemia”, disse o responsável pela equipe que fazia a coleta, o microempresário Carlos Nobre.
Pendurado na tenda, um banner com a foto de Bolsonaro dizia: “O Brasil precisa mudar, o Brasil vai mudar, muda Brasil!”. Curiosamente, palavras praticamente idênticas às de Ulysses Guimarães em seu discurso de promulgação da Constituição de 1988, detestada pelos conservadores. “Eu não sabia, foi um voluntário que fez esse banner para nós”, afirmou Nobre.
Enquanto manifestações anteriores de apoio ao presidente sempre defenderam temas clássicos do conservadorismo, como Escola Sem Partido, maior acesso a armas de fogo e endurecimento da prisão para bandidos, a bandeira dominante agora parece ser o voto impresso, chamado de forma eufemística de “voto auditável”.
Isso mostra como esse tema tem crescido na direita bolsonarista, o que só deve se intensificar à medida em que as eleições se aproximam.
“Se conseguiram hackear a Nasa e o Pentágono, por que não podem fazer um programa para invadir as urnas eletrônicas?”, perguntava Leandro Nascimento, desempregado.
A mesma preocupação foi demonstrada pelo advogado Maurício Rabello. “O voto auditável é importante para que não paire nenhuma dúvida na população sobre a eleição”, declarou. Em outras palavras, se Bolsonaro perder no ano que vem, poderá haver contestação do resultado, como fez Donald Trump nos EUA.
Outra pauta em alta na manifestação foi a CPI da Covid, presente em discursos proferidos de cima do único caminhão de som que havia no ato, além de cartazes feitos à mão,
O aposentado Eridilson Silva vestia uma camiseta em que mandou estampar uma frase dita pelo senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) contra o relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), durante depoimento do ex-secretário de Comunicação do governo Fábio Wajngarten, na última quarta-feira (12): “Imagine só ser preso por um vagabundo como Renan Calheiros”.
“Mandei fazer no Mercado Livre, em um dia ficou pronta”, vangloriava-se Silva. Segundo ele, a mobilização contra a CPI deve ser a prioridade dos apoiadores do presidente nesse momento. “Essa frase já entrou para a história”, disse.
Uma mulher que não quis se identificar exibia um cartaz em que chamava Renan de “canalha”. “Ele teve uma filha com uma jornalista, que foi criada com nosso dinheiro”, disse, em referência a um caso de 2007, que obrigou Renan a renunciar da presidência do Senado.
Em diversos momentos houve gritos de “fora Renan” na manifestação. Outros alvos foram o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), e o Supremo Tribunal Federal, nesses casos mantendo uma tradição de protestos anteriores.
Faixas pediam o impeachment de Doria e o afastamento de ministros do STF. Vestida com uma toga, uma mulher levou à avenida Paulista bonecos com caricaturas de 10 dos 11 titulares da corte. O único poupado foi Kassio Nunes Marques, indicado por Bolsonaro.
“Eles estão abusando, atrapalhando o presidente, e vão todos para a lata do lixo. O Kassio por enquanto não merece, mas se ele bobear, vai também”, afirmou ela, que não quis se identificar.
Como sempre acontece em manifestações, alguns ambulantes procuraram faturar algum trocado, oferecendo faixas, camisetas com a imagem de Bolsonaro e copos alusivos à eleição de 2022.
Alguns mais esperançosos vendiam até máscaras, peças sabidamente desprezadas pelos bolsonaristas. Mesmo com decoração patriótica, nas cores da bandeira nacional, elas estavam praticamente encalhadas, segundo um vendedor. Na manifestação, pelo menos dois terços dos presentes não se preocupavam em usá-las.