Livros nem sempre são melhores que armas, diz ativista em coletânea de artigos

1-) O que é melhor, portar livros ou revólveres?

2-) É saudável presentear crianças com metralhadoras de brinquedo?

3-) Quem vai à igreja rezar deveria poder carregar uma arma de fogo?

Para muitas pessoas, as respostas são óbvias: livros educam, enquanto armas matam; a infância deveria ser poupada da cultura da violência; igrejas e templos são lugares de paz espiritual, não de artefatos mortais.

Para o ativista pró-armas Bene Barbosa, tudo isso é blablabla politicamente correto.

As respostas corretas, na visão dele, são:

1-) Livros podem ser muito mais nocivos do que armas (vide Mein Kampf, de Adolf Hitler);

2-) Proibir crianças de brincar de polícia e ladrão para coibir a violência faz tanto sentido quanto vetar autoramas para pacificar o trânsito;

3-) Por serem “áreas livres de armas”, igrejas se tornaram alvos preferenciais de psicopatas nos EUA.

Todas estas opiniões estão no livro “Sobre Armas, Leis e Loucos”, que ele acaba de lançar pela Vide Editorial, reunindo 101 artigos que escreveu desde 2005 para diversos veículos e sites, a maioria com viés de direita.

Bene é hoje o mais influente ativista pelo armamento da população do país. É quem ativa a base conservadora, mobiliza as redes sociais, organiza eventos e apresenta argumentos para tentar influenciar o presidente Jair Bolsonaro e a bancada da bala no Congresso.

Para seus muitos desafetos, ele é um lobista da violência. Ele próprio se apresenta como um especialista. Este blog prefere o meio-termo ativista, o que ninguém pode negar.

Em 2019, publiquei um perfil dele, que pode ser lido aqui.

Na obra, o ativista faz uma defesa enfática das armas, com seu habitual estilo politicamente incorreto.

“Você pode detestar armas o quanto quiser, mas precisará admitir que a realidade arromba portas e estilhaça vidraças, deixando-lhe duas alternativas: morrer e ver os seus morrerem, como cordeiros, ou aceitar que uma arma pode ser o derradeiro instrumento entre você e o mal que habita o mundo”, escreve ele num dos artigos.

Amigo da família Bolsonaro, ele se destacou como porta-voz do armamentismo no referendo de 2005 que rejeitou as restrições à venda de armas.

Desde então, tem batalhado pela extinção do Estatuto do Desarmamento e a facilitação da venda de armas de fogo, sem nenhum instrumento de controle além de uma simples checagem de antecedentes criminais e um teste básico de como manuseá-las.

A tese principal defendida por Bene é a de que o acesso às armas é um direito básico do cidadão, seja para autodefesa, prática de tiro esportivo, caça ou coleção. E ponto final.

Argumentos geralmente levantados pelos opositores do armamento são rebatidos por ele de diversas formas no livro. Um dos principais é o de que ter armas em casa poderia provocar a morte por motivo fútil, após uma discussão familiar, por exemplo.

“Todos nós temos facas em casa, e pergunto: quantas vezes você já esfaqueou alguém da sua família durante discussões?”, contra-argumenta ele.

No livro, Bene investe contra celebridades globais que se opõem à cultura armamentista, como a paquistanesa Malala Yousafzai, que ganhou o prêmio Nobel da Paz.

“Me parece bastante óbvio que o problema não seja a existência de armas, como afirma Malala, mas sim nas mãos de quem elas estão”, escreve ele.

A visita da garota a uma favela no Rio de Janeiro, em julho de 2018, é criticada de forma ácida. “Para Malala, todos os problemas do mundo podem ser resolvidos com educação, livros e –é claro– a ausência de armas. Estranhamente, a menina chegou a um restaurante vegano no Rio de Janeiro acompanhada por nada menos que 16 seguranças armados”, alfineta.

Em outra farpa lançada contra a esquerda, o autor inverte o argumento habitual de que o aumento da circulação de armas atinge sobretudo os mais pobres, que vivem em comunidades carentes e dominadas por bandidos.

Segundo Bene, os mais pobres são prejudicados, sim, mas porque não têm condições de pagar os altos preços pelas armas para sua autodefesa.

“Os desarmamentistas ecoam até os nossos dias, muitas vezes sem perceber, uma legislação secular, preconceituosa, elitista e racista de um tempo passado onde arma não era coisa nem de preto, nem de favelado”, diz ele.

O mesmo argumento é usado quando ele critica medidas para sobretaxar a importação de armas e munição. “E quem foi o mais impactado por tal medida? Exatamente os mais pobres, aqueles que, como antes, estavam mais expostos aos criminosos. Os ricos? Deram de ombros e contrataram seguranças privados armados”, afirma.

Podem parecer visões exóticas à primeira vista, mas são as mesmas de grande parte da direita, e voz corrente no governo. Quando o presidente Bolsonaro disse, na célebre reunião ministerial de abril do ano passado, que cidadãos deveriam se armar contra tiranos, muitos ridicularizaram a lógica.

Mas o argumento repete letra por letra o que Bene e outros ativistas defendem há anos.

Em conversa com o blog, Bene diz que a coletânea de artigos foi pensada como uma espécie de obra de consulta, para interessados no tema das armas.

“Alguém comentava comigo sobre o Japão, outro perguntava sobre massacres nos EUA. Eu percebi que tinha muitos artigos para usar como uma fonte de informação”, afirma ele.

O interesse pelo tema, diz Bene, nunca esteve mais quente, e não apenas pelo fato de ser importante para os conservadores e para o governo Bolsonaro. A pandemia, afirma, também tornou a busca por armas algo mais frequente.

“Sempre que você tem algo que gere incerteza ou medo, há uma tendência de as pessoas procurarem formas de se defender. Nos EUA, assim que estourou a pandemia, esgotaram-se as armas, munição. Os fabricantes não dão conta de produzir”.

Da mesma forma, afirma, a procura por cursos sobre o universo das armas que ele promove disparou, seja no formato presencial ou online. O livro agora lançado teve tiragem de 5.000 exemplares, diz ele, enquanto uma obra anterior sua, “Mentiram para Mim sobre o Desarmamento”, de 2015, vendeu 60 mil cópias.

Tudo isso indica que o tema das armas novamente será um dos principais gritos de guerra dos bolsonaristas em 2022, acredita Bene. Quem quiser entender a alma armamentista, ainda que para combatê-la, faria bem em ler seu livro.