Na contramão da direita, economista liberal diz que China está fadada à decadência
A relação da direita com a China é das mais complicadas. Conservadores vociferam contra a ameaça vermelha, não importa se o tema é 5G ou a pandemia, mas adoram usar o gigante comunista como um espantalho útil para manter suas tropas sempre alertas.
Ou seja, se não houvesse a China, a direita teria que correr atrás de outro inimigo.
Liberais têm posição ainda mais ambígua. Deploram a falta de liberdades individuais e a repressão, mas entendem que o sistema econômico global depende cada vez mais do que decide o Partido Comunista.
Muitos vão além, e não escondem sua admiração pelo empreendedorismo e a capacidade de inovação chinesa, mais dinâmica que muitos países nominalmente capitalistas.
Em debate na última terça-feira (13) no Fórum da Liberdade, principal evento liberal do país, o economista e cientista político britânico James Robinson apresentou uma visão alternativa.
Para ele, o modelo chinês, longe de ser uma ameaça ou alternativa à ordem global capitalista, capitaneada pelos EUA, é insustentável e condenado à extinção.
“As regras autocráticas impostas por Xi Jinping [presidente chinês] nunca serão consistentes com manter uma economia prospera e criativa”, disse Robinson no evento, que ocorre anualmente há 34 anos em Porto Alegre e nesse ano, por causa da pandemia, foi online.
Professor da Universidade de Chicago, templo do pensamento liberal, ele é coautor de “Por Que as Nações Fracassam”, de 2012, e “The Narrow Corridor” (o corredor estreito), de 2019, em que defende a importância de instituições sólidas para manter um ambiente democrático e livre, único caminho para a prosperidade.
É tudo que a China não segue, argumenta Robinson. “Veja o que aconteceu com Jack Ma. Se você confrontar o Partido Comunista, você está acabado”, diz, em referência ao magnata chinês fundador do Alibaba, que passou um tempo sumido depois de criticar o regime.
O diagnóstico sobre a China, um país na vanguarda da inovação, ainda sustentando taxas robustas de crescimento e com ambições expansionistas claras, parece inusitado. Escalado para entrevistar Robinson no evento, o jornalista William Waack perguntou se a previsão sobre a decadência chinesa não era um pouco ousada demais.
O economista não se fez de rogado. E usou como exemplo a derrocada do outro gigante comunista do século passado, a União Soviética.
“A experiência soviética é um choque de realidade sobre o que acontece na China”, disse ele. “Do final dos anos 1920 até os anos 1970, todos os economistas foram enganados pelo planejamento central da economia russa, e os ganhos que ela aparentava ter. Havia livros prevendo que a economia soviética ia ultrapassar a americana no final do século”, afirma Robinson.
O que se viu, obviamente, foi algo bem diferente, com o colapso econômico e depois político do bloco comunista. “Poder político concentrado sempre prejudica prosperidade econômica”, afirmou.
Mesmo a China oferece argumentos para essa tese, diz Robinson. Apenas quando Deng Xiaoping iniciou reformas liberalizantes, no fim da década de 1970, a economia chinesa deu um salto. Agora que Xi Jinping concentra poder como nenhum outro líder desde Mao Tse-Tung, o ciclo de prosperidade pode se inverter, afirma.
“Uma das coisas em que menos acredito é na tese de que para sustentar o regime autoritário chinês você precisa ter prosperidade econômica. Na Coreia do Norte o regime nunca precisou de prosperidade nenhuma para se sustentar”, disse.
O problema da China com a liberdade, diz Robinson, não é de agora. “A dominação do Estado sobre o indivíduo na China é algo muito antigo, que vem desde Confúcio [551 a.C a 479 a.C]”, afirma.
Séculos de uma estrutura social que privilegia o coletivo cobram seu preço na falta de espaço para o indivíduo colocar em prática ideias livremente. “Para ter liberdade econômica, você precisa ter instituições livres, e na China não temos isso”.
O economista, previsivelmente, não quis arriscar-se a prever quando começará essa eventual derrocada da China. Para Robinson, apenas nações que equilibram o poder do Estado e da sociedade prosperam.
Nem devemos ter um Estado opressor, como a China, nem a falta de Estado, como o Iêmen, exemplo usado por ele na palestra. Vem daí a imagem que ele utiliza do “corredor estreito” que deve ser percorrido, nem encostando num extremo, nem em outro.
Ou, em outra metáfora que Robinson fez, a melhor situação é a de um “Leviatã acorrentado”, ou seja o Estado com limites impostos pela sociedade.
Já a China, por enquanto, é um Leviatã livre, leve, solto e com fome.