Em debate, liberais pregam resistência à ‘patrulha progressista’

“Se você se transforma num verme, não fique surpreso quando as pessoas pisarem em você”. A frase é do filósofo Jason Brennan, professor da Universidade de Georgetown, nos EUA, e conhecido por declarações polêmicas.

Brennan, um defensor de ideias liberais, estava se referindo à tendência de pessoas se adequarem ao discurso politicamente correto e depois acabarem canceladas por isso. Em outras palavras, é preciso resistir à patrulha progressista, disse ele.

Com algumas variações, essa mensagem foi o principal tema de um debate virtual sobre o poder da patrulha digital que ocorreu durante o Fórum da Liberdade, principal evento liberal do país, que ocorreu na segunda (12) e terça (13) em Porto Alegre. Desta vez, em razão da pandemia, o encontro, organizado há mais de 30 anos pelo IEE (Instituto de Estudos Empresariais), foi online.

Brennan dividiu o debate com o filósofo Luiz Felipe Pondé, colunista da Folha, e o sociólogo canadense de origem húngara Frank Furedi, autor de obras sobre a cultura do medo.

Em comum, o trio criticou duramente, no debate de pouco mais de uma hora, o que enxergaram ser o crescente autoritarismo de quem defende ideias progressistas e políticas identitárias, e que ao mesmo tempo mas não tem tolerância com visões opostas.

“Enxergo hoje uma arrogância moral, usada não para mostrar o que você sabe, mas a que grupo você pertence. Quanto menos eu tolero, mais eu mostro que sou realmente comprometido com o bem e a justiça”, afirmou Brennan, que é um defensor radical da liberdade de expressão e um crítico de como as democracias representativas operam. Um de seus livros é “Contra a Democracia”, em que defende a epistocracia, ou a democracia exercida pelos mais preparados.

Pondé deu um exemplo brasileiro do que ele enxerga como patrulha a ideias que fogem do consenso progressista, a atuação do perfil Sleeping Giants.

“No Brasil, se você é um jornalista e diz algo, as pessoas nas redes sociais vêm contra você. O Sleeping Giants coloca pressão no jornal para te demitir, empresas que anunciam não querem mais se associar a este jornal”, afirmou.

Para Pondé, há um componente de marketing, e de negócios, em campanhas que buscam desacreditar ideias de direita. Isso, segundo ele, se reflete muitas vezes em universidades.

“Se eu consigo colocar alguém fora da universidade, significa que eu ou meu grupo terão mais espaço”, diz. E há um incentivo de mercado, afirma o filósofo, para que empresas abracem temas progressistas.

Para isso, citou a campanha publicitária de Dia dos Pais do ano passado da empresa de cosméticos Natura, com a presença de transgêneros, que irritou conservadores. “Mas as ações da empresa dispararam”, afirmou.

Furedi, por sua vez, mostrou-se alarmado com o impacto que as ideias de esquerda estão tendo em diversos aspectos da vida, da economia à própria comunicação.

“Os fatos sempre foram negociáveis, desde que a imprensa começou, na era moderna. Mas o que me incomoda é a subjetivização de tudo, o que importa é como as coisas são percebidas de forma subjetiva. Mesmo a linguagem é negociável”, disse.

O sociólogo citou como exemplo uma decisão recente do fabricante do jogo americano Scrabble, em que os participantes formam palavras num tabuleiro. Foram banidas cerca de 400 palavras, que incluíam termos politicamente corretos direcionados a grupos como judeus e negros.

“O que importa hoje é quebrar tabus, parece que quanto mais tabus você quebra, mais suas ações se valorizam no mercado”, disse Furedi.  “Mas quebrar tabus significa deixar para trás valores de outras gerações”, acrescentou.

Em diversos momentos, o trio expressou preocupação com o futuro da liberdade de expressão, atualmente uma bandeira muito forte para a direita.

Para Pondé, esse risco se manifesta fortemente no meio acadêmico, que ele comparou ao universo religioso. “As universidades recentemente esse tornaram igrejas. Professores, intelectuais fundaram um lugar onde as pessoas podem fazer sermões”, afirmou.

Já Brennan disse que a defesa da liberdade é algo muito frágil e seletivo. “As pessoas são defensoras da liberdade para elas próprias e as pessoas de quem gostam ou com quem se importam. Mas são autoritárias com relação a todos os outros, ou seja, aqueles que não conhecem, ou se importam, ou respeitam”, afirma.

Furedi afirmou o intenso nível de polarização desestimula o respeito a opiniões alheias.

“As pessoas não são encorajadas a falar com outras que tenham outras visões, mas apenas com os que pensam como elas. Elas dizem: ‘acredito na liberdade de expressão, mas…’ O que vem depois do ‘mas’ é que é o problema”, disse.