Para bolsonaristas, saída de Ernesto é maior vitória chinesa

Na visão de mundo binária de grande parte do bolsonarismo, uma derrota dos conservadores transforma-se automaticamente numa vitória do comunismo.  Ou chinesa, o que, para aliados do presidente, é praticamente a mesma coisa.

A lógica repetiu-se à perfeição no episódio da fritura e queda do ministro Ernesto Araújo, das Relações Exteriores, um dos mais identificados com a base ativista fiel ao presidente nas redes sociais.

Pelo que transpareceu das reações à saída do chanceler, nunca o presidente chinês, Xi Jinping, teve um dia tão glorioso –embora ele dificilmente saiba disso.

Como costuma acontecer em momentos mais tensos, a insatisfação extremada não poupou nem a figura do próprio Bolsonaro, que teria capitulado aos desígnios do Partido Comunista Chinês.

Um exemplo foi a ácida postagem do Movimento Avança Brasil, sempre fiel ao presidente.

“Na foto vemos o presidente do Brasil e ao lado dele Jair Bolsonaro”, diz a imagem com Bolsonaro e Xi lado a lado.

Popular na direita, o canal de YouTube Daniel Ativista também viu rendição verde-amarela à ameaça vermelha.

“O Partido Comunista Chinês está comprando o Brasil, comprando terras, um tanto de coisas aí. Hoje tudo que você usa na sua casa é produto chinês, produto até de espionagem”, disse ele.

Quem turbinou a relação entre a saída do chanceler e um suposto poderio chinês, como se sabe, foi o próprio Araújo, que no domingo (28) acusou senadores de quererem derrubá-lo movidos pelo lobby de Pequim quanto à implementação da tecnologia 5G.

Araújo era um dos últimos remanescentes do primeiro escalão do governo que se diziam seguidores do filósofo Olavo de Carvalho, guru de diversos bolsonaristas.

Nas redes, olavistas bateram especialmente pesado na demissão de Araújo, com um tom raramente visto contra o presidente. Exemplo foi Bernardo Kuster, um dos editores do jornal eletrônico Brasil Sem Medo, ligado a Olavo.

“Xi Jinping é que manda neste país. A saída de Ernesto é um desastre”, afirmou.

Segundo ele, até o fim do mandato, Bolsonaro governará sem aliados que pensam como ele. “Ficará refém de generais, de burocratas sem alma, de gestores isentões e de belos bonecos do centrão. Serão só ele e o povão”, disse.

O próprio filósofo tratou do tema, de forma irônica, dando a entender que o Brasil perdeu sua identidade ao se submeter aos desígnios chineses.

“Seria muito difícil ao Xixi Ping enviar à nossa terra uns 200 milhões de chineses (um sétimo da população da China) para fazer uma transfusão de povo e eliminar da memória histórica aquilo que chamávamos de ‘Brasil’?

Isso não significa, contudo, que esteja perto um rompimento dos conservadores com o presidente. Rotineiramente há críticas mais duras a Bolsonaro, mas que tendem a se acomodar com o passar dos dias.

Como previsível, outra conclusão dos aliados do presidente é de que a saída de Araújo foi uma vitória do chamado “globalismo”, um ameaça difusa que ele próprio combateu durante seus 27 meses no cargo.

Ligada à ala conservadora da Igreja Católica, a deputada federal Chris Tonietto (PSL-RJ) disse que Araújo acabou abatido por forças que transcendem os Estados nacionais em nome de valores globais progressistas.

Só fica feliz com a saída do Ernesto Araújo  quem pretende subjugar as nações debaixo de leis globais desconstrucionistas e amorfas”, afirmou.

Para a direita bolsonarista, Araújo se torna mais um mártir, comparável ao ex-ministro da Educação Abraham Weintraub, que deixou o governo ano passado rumo ao Banco Mundial após um embate com o STF.

Desde então, a popularidade de Weintraub junto aos conservadores apenas cresceu, e ele passou a ser citado como um possível candidato ao governo de São Paulo no ano que vem.

O futuro de Araújo dependerá de como ele se comportar como ex-ministro. Uma carreira na política pode vir a ser irresistível, especialmente se for humilhado em seus próximos passos dentro do Itamaraty.