Modelo para bolsonaristas, Polônia tem deputado preso pelo STF como garoto-propaganda

Boquirroto, marombado, defensor de armas, quebrador da placa de Marielle Franco, espalhador de fake news, defensor do fechamento do STF.

É por esses predicados que o deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) é mais conhecido. De tanto vociferar contras as instituições, acabou preso por ordem do ministro do Supremo Alexandre de Moraes, em fevereiro.

Mas há um aspecto menos conhecido da biografia de Silveira que diz muito sobre ele e sobre a direita no Brasil. Quase ninguém sabe, mas ele preside o Grupo Parlamentar Brasil-Polônia na Câmara dos Deputados.

Os dois vice-presidentes do grupo também são bolsonaristas: General Girão (PSL-RN) e Luiz Lima (PSL-RJ).

Criado em 1994, é um grupo como tantos outros que existem no Parlamento para promover as relações do Brasil com outros países. Há 101 atualmente instalados na Câmara, cobrindo praticamente todas as partes do globo, dos EUA à Coreia do Norte.

Em geral, não fazem muita coisa além de promover sessões comemorativas, receber missões comerciais e de vez em quando organizarem uma ou outra viagenzinha. Alguns nem presidente têm.

Mas o fato de Silveira ter se interessado pelas relações polaco-brasileiras não é por acaso. Desde o início do governo de Jair Bolsonaro, a Polônia adquiriu valor estratégico para nossa diplomacia, e por razões fáceis de se compreender.

Cada governo usa a política externa como uma projeção de sua visão política. Fernando Henrique Cardoso priorizava um lugar na mesa dos países ricos, mesmo que fosse na rabeira. Lula olhou para a África, como carro-chefe de sua diplomacia dos pobres.

Já Bolsonaro tem entre suas referências o Leste Europeu, onde nos últimos anos prosperou uma forma dura de populismo conservador muito de seu agrado, em países como Polônia, Hungria e República Tcheca –no caso deste último, aliás, o grupo parlamentar é presidido por outro deputado bolsonarista, Loester Trutis (PSL-MS).

Conforme Bolsonaro foi perdendo seus poucos aliados pelo mundo, como Mauricio Macri (Argentina), Matteo Salvini (Itália) e sobretudo Donald Trump (EUA), esses regimes do antigo bloco comunista passaram a ganhar ainda mais relevância para a diplomacia brasileira.

A simpatia de Silveira pelos poloneses se manifesta de diversas formas. Uma delas foi na apresentação de um projeto de lei que proíbe plataformas de internet de retirarem do ar conteúdo “em desacordo com as garantias constitucionais de liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento”.

A inspiração para a proposta, diz o deputado, veio de uma lei polonesa. Os conservadores se veem como alvos das chamadas “big techs”, plataformas como Twitter, Facebook, Instagram e YouTube, que rotineiramente tiram do ar posts e vídeos por espalharem desinformação. Para eles, isso é censura contra posicionamentos que vão contra o consenso progressista.

A Polônia desde meados da década passada é governada por conservadores. Seu presidente, desde 2015, é Andrzej Duda, que foi reeleito no ano passado com torcida declarada dos bolsonaristas, sobretudo o deputado federal Eduardo Bolsonaro.

Ele é egresso do Partido Lei e Justiça, que defende a família, a forte tradição católica do país e as restrições à chegada de imigrantes, sobretudo do norte da África e Oriente Médio. O primeiro-ministro desde 2017 é Mateusz Morawiecki, da mesma legenda.

Em fóruns internacionais, Brasil e Polônia têm sido aliados na discussão e votação de temas como defesa da família e de valores cristãos, além de oposição a aborto e identidade de gênero.

Os dois governos mantêm um fluido canal de intercâmbio. Os dois países, por exemplo, estão à frente da denúncia da perseguição a cristãos em países de maioria islâmica.

Além disso, no final de fevereiro, como revelou o UOL, a secretária da Família dos Ministério dos Direitos Humanos, Angela Gandra, viajou à Polônia, com pandemia e tudo, para dar apoio às novas medidas aprovadas por lá que restringiram ainda mais o aborto. O próprio Eduardo Bolsonaro já visitou Varsóvia, num périplo que fez pelo Leste Europeu.

É possível que o eixo Brasília-Varsóvia sofra uma certa desvalorização com a iminente troca dos dois pilares ideológicos da diplomacia brasileira, o ministro Ernesto Araújo e o assessor para assuntos internacionais da Presidência, Filipe Martins.

Mesmo que o Itamaraty passe a ser comandada por um diplomata mais moderado e pragmático, no entanto, não há dúvida de que a Polônia seguirá sendo um grande farol para a direita brasileira.