Bolsonaristas dão apoio envergonhado a Moro, num aceno para eleição de 2022
A decisão do Supremo Tribunal Federal que apontou a suspeição de Sergio Moro obrigou bolsonaristas a esquecerem por alguns momentos seu ódio contra o ex-juiz.
Nas redes sociais, aliados do presidente tiveram de engolir a repulsa ao antigo aliado em nome de um propósito maior, a rejeição à ameaça esquerdista representada por Luiz Inácio Lula da Silva.
Isso pode indicar uma tendência para o segundo turno da eleição de 2022: na hora do vamos ver, o racha na direita pode ficar pequeno diante do fantasma vermelho.
A presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, Bia Kicis (PSL-DF), é uma das que foram obrigadas a fazer malabarismo retórico para defender Moro, sem que isso ficasse muito na cara.
O jeito que ela arrumou foi derramar-se em elogios ao voto do ministro do STF Kassio Nunes Marques, que rejeitou a suspeição do ex-juiz (e acabou entre os derrotados na Segunda Turma).
Segundo Kicis, Kassio deu um voto “extremamente técnico e bem embasado”.
A deputada é uma das que enfrentam dilemas de consciência desde que Moro saiu do governo Bolsonaro atirando, em abril do ano passado. Ela era uma das grandes aliadas no Congresso do então ministro da Justiça.
Uma ironia extra é o fato de a parlamentar ser conhecida como uma crítica feroz dos ministros do STF.
Ou seja, ela foi obrigada a dar um duplo salto carpado: defender o ex-aliado Moro usando como argumento voto de membro de uma corte que detesta.
Expediente parecido adotou a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), conhecida por ter convidado Moro para ser seu padrinho de casamento pouco antes do rompimento ruidoso do ex-ministro com Bolsonaro (e com ela, por tabela).
Numa série de tuítes, ela reproduziu alguns dos principais trechos do voto do ministro Nunes Marques, sem no entanto, fazer elogios diretamente a ele.
Outro expoente do bolsonarismo que teve de aderir a um certo contorcionismo foi o ex-deputado Roberto Jefferson (PTB). Ele disse que a parcialidade que deveria ser julgada é a do ministro do STF Gilmar Mendes.
Fez ainda questão de colocar a parcialidade de Moro entre aspas em um tuíte, indicando que não concorda que tenha havido.
“Carmen fala que houve parcialidade no julgamento de Lula. E a parcialidade de Gilmar no julgamento da ‘parcialidade’ de Moro, quem julgará?”, afirmou.
Editor do jornal Brasil Sem Medo, ligado ao filósofo Olavo de Carvalho, Bernardo Kuster disse que a suspeição de Moro, com a consequente reabilitação política de Lula, representou a derrota da Justiça.
“Com o voto alterado de Cármem Lúcifer, serão anulados todos os atos do ex-juiz relacionados a Lula. É o fim. A justiça foi morta”, disse.
Da mesma forma, o Movimento Avança Brasil, apoiador incondicional do presidente, criticou a conclusão sobre Moro.
“Ao transformar Sergio Moro em um juiz parcial nos casos do Lula, eles destruiram toda a Operação Lava Jato. Agora só falta definirem que deveremos indenizar todos os marginais corruptos que saquearam o Brasil”, escreveu.
Do outro lado da cerca destra, a direita que critica Bolsonaro lamentou até com mais ênfase a decisão do Supremo e a vitória do ex-presidente petista.
“Moro considerado suspeito. Todos os atos processuais serão anulados, os valores pagos, devolvidos e aqueles que foram presos ainda poderão ser indenizados pelo Estado. Bem vindos ao Brasil”, disse o vereador paulistano Rubinho Nunes (Patriota), um dos líderes do MBL (Movimento Brasil Livre).
Já o ex-deputado tucano Xico Graziano, que rompeu com Bolsonaro, disse que Moro enfrentou “quase sozinho Lula”, e que suspeito deveria ser o STF.
Desde que saiu do governo, o ex-juiz vem sendo chamado de traidor e outros impropérios pelos aliados do presidente. Em alguns momentos, parecia representar uma ameaça até maior a Bolsonaro do que o PT.
As reações à decisão do STF revelam que o verdadeiro inimigo dos conservadores ainda é o ex-presidente. E mostram que não á mágoa que não possa ser esquecida num segundo turno.