Maior evento conservador dos EUA mostra que Trump e suas ideias estão bem vivos

“Em 2021, estamos na Flórida. Junte-se a nós na ensolarada Orlando”. Parece um anúncio de viagem, ainda mais porque a mensagem vem acompanhada de imagens de coqueiros, mar azul e areia branca.

Mas é a convocatória para a nova edição do Cpac, sigla em inglês para Conferência de Ação Política Conservadora, maior evento anual da direita americana.

Desta vez, o encontro, que acontece entre 25 e 28 de fevereiro, tem, obviamente, um enorme gosto de frustração. A conferência estava planejada para ser a celebração da reeleição de Donald Trump, mas as coisas, como sabemos, não ocorreram exatamente dessa forma.

Trump não apenas foi enxotado da Casa Branca após uma vitória convincente de Joe Biden, como saiu como mau perdedor e, pior, a pecha de golpista. É o presidente a deixar o cargo em piores condições políticas desde a renúncia de Richard Nixon, em 1974.

Mas Trump, empresário que levou diversos tombos em sua carreira e soube se levantar, não está derrotado. Ao menos é o que ele pretende provar, e para isso a Cpac será essencial.

O ex-presidente confirmou presença no evento. Falará à plateia conservadora no encerramento do evento, no que está sendo descrito como o início de sua reabilitação. O caminho para a eleição de 2024 é longo, mas Trump quer começar já a dar os primeiros passos.

Sobretudo, quer manter-se como a principal referência política do Partido Republicano, para evitar que alguém cresça à sua sombra e consiga impor-se como nome da legenda na próxima eleição.

O tom de sua fala já desperta curiosidade. Nos EUA, há uma espécie de protocolo não escrito de que ex-presidentes não falam de política, salvo em ocasiões muito especiais, como as campanhas presidenciais.

Trump, um dos presidentes menos convencionais a já ocupar o posto, deve novamente romper com a tradição e fazer um discurso forte, bem ao gosto da audiência que o seguirá.

E que audiência é essa? Ali está a nata do conservadorismo americano, de grupos evangélicos a defensores de armas, de saudosistas de Ronald Reagan a pregadores da redução dos impostos.

Nos últimos anos, a Cpac, que sempre foi um guarda-chuva amplo para a direita americana, radicalizou-se à imagem de Trump. O casal Matt e Mercedes Schlapp, que comanda a American Conservative Union, responsável pela conferência, é trumpista puro-sangue.

Republicanos moderados, chamados pejorativamente de Rinos (Republicans In Name Only, ou republicanos apenas no nome), estão cada vez mais afastados do evento.

O cronograma inclui itens tradicionais da direita americana (e que, por sinal, foram copiados pela brasileira). Haverá, por exemplo, uma mesa com o nome “Por que a Esquerda Odeia a Declaração de Direitos… e Nós a Amamos”, em que se discutirá a Bill of Rights, da Constituição Americana, que garante liberdade de expressão e de uso de armas, entre outras.

A questão da liberdade de expressão é um dos temas que mais agitam os conservadores americanos no momento, desde que plataformas como Twitter e YouTube baniram contas de Trump, sob acusação de incitar a violência.

Outro debate discutirá diretamente a invasão do Capitólio em 6 de janeiro, pela turba incensada pelo então presidente. Seu título: “Tolerância Reimaginada: a Multidão Furiosa e a Violência em Nossas Ruas”.

A tese da direita é que  a invasão do Congresso é apenas uma parte de um fenômeno mais amplo, que inclui protestos de grupos esquerdistas, como o Black Lives Matter.

Haverá ainda discussões sobre a suposta fraude que teria roubado de Trump a vitória, com painéis sobre a necessidade de “proteger as eleições” e debates a respeito das razões que levaram juízes e a imprensa a “recusar-se a examinar as evidências [de irregularidades]”.

Outros tópicos são a ameaça representada pela China, o poder das “big techs” (grandes empresas de tecnologia) e o antissemitismo contra Israel.

A Cpac existe desde 1973, criada em uma época em que o conservadorismo americano vivia uma nova crise, motivada pelo caso Watergate. Nos últimos anos, criou ambições globais, incluindo uma edição no Brasil em outubro de 2019, organizada pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP).

Em quase 50 anos de existência, tornou-se celeiro de ideias e mobilização para a direita americana. Desta vez, no entanto, parece ter sido sequestrada por trumpistas inconformados com a derrota. Sinal claro de que o ex-presidente americano seguirá pairando sobre a direita, e a política, dos EUA.