Liberais pegaram um atalho ao aliar-se a Bolsonaro, diz presidente de instituto

A vitória de Jair Bolsonaro na eleição de 2018 deveu-se muito ao apoio que ele conquistou junto a setores liberais. A adesão de Paulo Guedes, um liberal-raiz da Escola de Chicago, abriu as portas do então candidato a setores econômicos e do mercado e ajudou a dar credibilidade à sua agenda econômica.

Já para os liberais, as vantagens obtidas com esta aliança com Bolsonaro, um político de passado autoritário e conservador, são bem menos claras.

Na visão de Márcio Ramos, 33, que acaba de assumir o cargo de presidente do Instituto de Formação de Líderes de São Paulo (IFL-SP), os liberais tomaram um “atalho” ao se aliar a Bolsonaro, o que provoca ainda muito debate interno.

“O movimento liberal vinha crescendo de maneira gradual, de maneira precisa, e de repente houve uma aceleração”, diz ele, em referência ao casamento de parte dos liberais com o atual presidente.

O instituto que Ramos preside é uma voz importante no movimento liberal, dedicado à formação de novos líderes, em sua maioria jovens entre 25 e 35 anos com visão pró-mercado e defensores de um menor papel do Estado.

Ele tomou posse em novembro do ano passado, para um mandato de um ano à frente da instituição. Filho de pai brasileiro e mãe americana, nasceu em Boston (EUA), que ele reforça ser o “berço da liberdade”, onde começou a Revolução Americana. Formado em Comunicação Social e marketing pela ESPM, com MBA na Fundação Getulio Vargas, mora no Brasil desde os 9 anos.

Para Ramos, “sempre surge essa discussão no IFL se foi certo ou não [aderir a Bolsonaro]”. Um efeito inegável, diz ele, é que o movimento liberal ficou mais conhecido. “Muita gente nunca tinha ouvido falar do liberalismo e agora fala”, afirma.

Com dois anos de governo Bolsonaro, o liberalismo é um movimento bastante dividido, com fissuras que muitas vezes fariam a esquerda corar.

Há entidades que logo de saída recusaram formar aliança com o presidente, como o Livres, que defende um liberalismo indivisível na economia e nos costumes. Existem também os que se afastaram com o tempo, como o MBL (Movimento Brasil Livre), e os que têm uma posição mais dúbia na relação com o presidente, como o Partido Novo.

Além, é claro, dos que seguem acredito na agenda liberal de Guedes, apesar de seu progresso tímido.

Ramos diz que a divisão é esperada num movimento que tem crescido. “É saudável e natural esse crescimento dos liberais, e até a fragmentação”, afirma.

Ele acredita que Guedes tem tentado implementar reformas e uma agenda forte de privatizações e desregulamentação, mas que tem sido impedido por interesses que não controla.

“Guedes é um cara que eu admiro muito por tentado. É super corajoso e se preparou a vida toda para isso. Mas você percebe que o establishment é difícil de mudar. Algumas pautas andaram, como o Marco Legal das Start-Ups e a Lei da Liberdade Econômica. Outras eu gostaria que tivessem avançado mais”.

Ramos trabalha em uma empresa farmacêutica, onde cuida da área de transformação digital. Ele se diz favorável à participação do setor privado na vacinação contra a Covid-19, em linha com o que defende a maior parte dos liberais, que por instinto desconfiam do Estado.

A articulação de empresas para comprar vacinas na Índia causou barulho após sua divulgação pela Folha no final de janeiro, ainda que houvesse o compromisso de doar metade para o SUS. Com a má repercussão, o projeto está congelado, ao menos por enquanto.

Mesmo que seja inviável comprar vacinas neste momento, afirma Ramos, há muito que o setor privado por fazer na área de logística da imunização.

“Sou totalmente favorável às vacinas privadas. Se a gente continuar nessa dinâmica de vacinação, a gente termina em 2033”, diz ele, que sugere uma PPP (Parceria Público Privada) para envolver empresas na distribuição. “A logística do governo só encarece o processo. O setor privado pode ajudar muito na área de logística”.

À frente do IFL-SP, ele pretende investir em governança e profissionalização do instituto, para torná-lo uma referência de formação de líderes, com valores da liberdade privada.

Também pretende colocar a entidade para dar apoio a deputados federais que pretendam implementar pautas liberais, como a redução do tamanho do Estado e a reforma tributária. Pretende ainda abrir novas frentes. “O uso de cannabis com algumas condições, por exemplo, é algo que a gente está considerando”, afirma.

Com a vitória folgada de candidatos apoiados por Bolsonaro na Câmara e no Senado, é possível que haja um novo impulso à agenda liberal, especialmente na área econômica.

Tanto o deputado Arthur Lira (PP-AL) como o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG) prometeram, em suas manifestações iniciais, empenhar-se na aprovação de matérias que desregulamentam o Orçamento, diminuem a carga tributária e facilitam a redução dos gastos com pessoal no setor público.

Para entidades liberais como o IFL-SP, é possível vislumbrar uma segunda chance de Bolsonaro e Guedes para cumprir seus acenos na campanha de 2018, e possivelmente usá-los como plataforma para a reeleição no ano que vem.

Neste cenário, não é um devaneio imaginar um novo casamento de liberais com o presidente, o que provavelmente levará a novas discussões internas dentro do movimento.