Em áudio, químico critica ‘riscos’ de vacinas contra Covid que têm segurança comprovada

Especialista em bioquímica, o professor Marcos Eberlin, 61, construiu sólida carreira acadêmica, primeiro na Unicamp e, mais recentemente, no Mackenzie.

Ex-integrante da Sociedade Brasileira de Química, tem um vasto trabalho na área de espectometria de massas (técnica para identificação de componentes químicos de moléculas) e mais de 18 mil citações em publicações da área.

É também presidente da Sociedade Brasileira de Design Inteligente, teoria que busca dar uma roupagem científica ao criacionismo. Integra ainda o grupo Docentes Pela Liberdade, que reúne professores universitários conservadores pelo Brasil.

Recentemente, no entanto, Eberlin aventurou-se por uma área que não é exatamente a sua especialidade, a de vacinas contra a Covid-19. Há duas semanas, ele enviou um áudio de WhatsApp para colegas e amigos pontificando sobre a eficácia e a segurança dos imunizantes mais conhecidos contra o coronavírus.

Na áudio, de 6min45s, ele faz uma dura crítica à vacina AstraZeneca/Oxford, que começou a ser distribuída no Brasil no último fim de semana, e à russa Sputnik V, com tratativas em andamento com a Anvisa para ser autorizada por aqui. “Fujam delas o quanto vocês puderem. Se um dia te oferecerem, não tomem”, diz.

A AstraZeneca é a principal aposta do governo de Jair Bolsonaro para a vacinação em massa. Segundo Eberlin, um integrante do governo, que ele não especifica, o procurou para pedir sua opinião sobre o imunizante, prontamente repassada.

De acordo com o químico, o problema das duas vacinas é que elas “editam” o DNA do paciente que as recebe.

“A AstraZeneca, de Oxford, e a Sputnik, da Rússia, são as piores, as mais arriscadas, porque usam um adenovírus que carrega uma informação genética para dentro da célula, para dentro do núcleo do DNA, e [isso] vai editar o DNA”, afirma, no áudio.

“Pode funcionar muito bem, pode ter uma eficiência muito grande, mas ela é muito arriscada”, completa.

A tecnologia citada pelo professor consiste em usar outro vírus como vetor para carregar as informações genéticas do coronavírus para dentro do organismo e, dessa forma, estimular o sistema imune a combater a Covid-19.

Não há qualquer evidência na literatura científica de que o DNA do paciente seja afetado, ou “editado”, e as vacinas até aqui se provaram seguras..

Um pouco menos perigosa, afirma Eberlin, seria a Coronavac, parceria do Instituto Butantan com a chinesa Sinovac.

“A Coronavac é um vírus inativado, uma tecnologia antiga. Há um risco de você estar sendo infectado pelo vírus, mas não é tão terrível. O máximo que vai acontecer é que você vai ter Covid. Sua informação genética pelo menos não foi editada”, diz ele no áudio.

De novo, não há relato de alguém que tenha contraído a doença ao tomar a vacina chinesa.

Segura mesmo, entre as principais, seria apenas a da Pfizer, em sua visão. “É vacina de RNA. É uma fita que é usada e degradada, ela não fica na sua célula. O risco é menor, a tecnologia é mais nova, muito promissora”, afirma.

Em resumo, diz ele: “Se você tiver como optar, opte pela Pfizer. Segundo lugar, Coronavac, infelizmente. E último, Sputnik e AstraZeneca”. O “infelizmente” associado à vacina chinesa explica-se, obviamente, pelo fato de a vacina ser promovida pelo governador de São Paulo, João Doria (PSDB), detestado por partes da direita.

Por fim, o professor defende que é preciso pesar os “riscos” da vacina conforme a idade do paciente. Sua lógica é que, se a pessoa é idosa e tem comorbidade, vale a pena aceitar esse suposto perigo, pois ele é menor do que não tomar o imunizante. Da mesma forma, para quem é jovem e saudável, não compensaria o hipotético risco de se vacinar.

“Os mais idosos e com comorbidade vale a pena arriscar, porque o risco de pegar a coronavirus é muito grande. Quanto mais jovem, inverte. Se você é jovem, é saudável, não imagina desenvolver sintomas mais graves, não vale a pena tomar. Quanto mais jovem e saudável, menos indicado tomar a vacina”, afirma.

O áudio do professor Eberlin provocou uma reação da Sociedade Brasileira de Química (SBQ), em nota divulgada neste domingo (24).

Segundo a entidade, o áudio do químico “contém declarações infundadas e antiéticas, sem o compromisso com a evidência científica, e emitidas por alguém que nunca trabalhou com vacinas ou áreas afins”.

“As vacinas são desenvolvidas e produzidas a partir de estudos científicos realizados por pesquisadores das ciências biológicas e da saúde, demandando conhecimento científico especializado”, declara a SBQ, em texto assinado por seu presidente, Romeu Cardozo Rocha Filho.

A entidade afirma ainda que “a disseminação de declarações facciosas, unilaterais e destrutivas podem causar a morte de pessoas”. “No momento, vacinas são a única solução efetiva disponível para o enfrentamento da pandemia de Covid-19”, diz.

Em contato com o blog, Eberlin suavizou um pouco sua posição. Diz que não é contrário às vacinas e que divulgou o áudio em um grupo fechado, após consultar dois virologistas de renome, que ele não quis identificar.

“Eu sou pró-vacina, está lá a carteirinha preenchida, tomo todos os anos. Mas do outro lado, há uma turma de cientistas que não informam corretamente a população, que dizem que vacina é 100% seguro. Mas a gente não pode negar à população que há riscos envolvidos”, afirma.

Ele afirma que o fato de agências especializadas em diversos países terem dado aval às vacinas não elimina o fato de que sempre haverá problemas potenciais. E nega estar fazendo campanha contra a vacinação.

“Não é que eu estou dizendo que elas são ruins. O que eu estou dizendo é que há risco. Eu indiquei as melhores. Mas se não tiver outra, tome as que estão disponíveis mesmo”.

Também reclamou de ser alvo de “censura” da Sociedade Brasileira de Química. “Discordar de mim, chamar para debater não tem problema. O que não pode é esse discurso de dizer que eu estou contribuindo para a morte de pessoas”, diz,

As vacinas citadas pelo químico, não custa repetir, foram aprovadas por agências de saúde de diversos países, após seguirem todas as fases de testes, e já estão em uso em diversas partes do mundo. Não há notícia de efeitos colaterais significativos, tirando pequenas sintomas localizados em poucos usuários.

Num contexto em que a vacina é a única esperança de combate à doença, questionamentos feitos sem base factual atrapalham muito o esforço já enorme de proteger milhões de pessoas. Ainda mais se é uma voz com algum peso na área da ciência.