Conheça o Gab, o ‘Twitter de direita’ que acolhe trumpistas desabrigados
A decisão do Twitter de banir a conta do presidente dos EUA, Donald Trump, gerou um debate sobre os limites da liberdade de expressão e a força das grandes companhias de tecnologia, as chamadas “big techs”.
Mas há outro aspecto, menos badalado, a ser discutido: esse tipo de coisa funciona? Coibir discursos extremistas, banindo contas ou dificultando a existência de plataformas online, gera o efeito desejado? A resposta, como esse caso mostra, é um definitivo não.
Bastou Trump ser banido para uma parte considerável de seus apoiadores, inclusive no Brasil, migar para um clone conservador do Twitter, o Parler. Ato contínuo, plataformas como Amazon, Apple e Google decidiram removê-lo de suas lojas de aplicativos e servidores, o que na prática o inviabiliza.
O que fizeram os conservadores? Foram atrás de mais uma alternativa. No caso, outra rede social de viés direitista, o Gab. Até a publicação deste texto, ela seguia no ar, até porque afirma que tem servidores próprios e não depende das “big techs” para se manter no ar.
Criada em maio de 2017 por Andrew Torba, empresário do Vale do Silício (EUA), o Gab não tem subterfúgios para dizer de que lado está, a começar de seu lema: “Uma rede social que defende livre manifestação, liberdade individual e o fluxo livre de informações online”.
Quando você estiver em dúvida se algo pertence ao campo da direita, basta contar a quantidade de vezes que menciona a palavra “livre” e seus derivados. Como se vê, o Gab passa no teste com louvor.
Torba, o fundador da rede, é do tipo que não tem receio do confronto. Num post nesta segunda-feira (11), escreveu, em tom desafiador, a seus críticos: “Não me desculpo por absolutamente nada e não arrependo de coisa nenhuma”.
Por uma dessas coincidências que parecem coisa do QAnon, Torba nasceu em Scranton, na Pensilvânia, mesma cidade natal do presidente eleito, Joe Biden.
O fato não passou despercebido pelo fundador do Gab. “Joe Biden não é um nativo verdadeiro de Scranton. Sua família abandonou Scranton quando ele tinha dez anos de idade. Chamá-lo de garoto de Scranton é um insulto para a população da cidade”, tuitou (ou melhor, ‘gabeou’) ele.
A referência é ao fato de Biden ter se mudado ainda criança para o estado de Delaware, onde construiu sua carreira política.
Nas primeiras horas após ter se tornado a mais nova alternativa para a direita, o clima no Gab era de euforia. “Enorme aumento de seguidores desde ontem. Obrigado a todos que se juntaram. Gab está prestes a brilhar intensamente de uma forma que eu sempre previ quando entrei, há quatro anos”, disse um usuário de nome Dave Cullen.
Outro, que se identificou apenas como Catturd, também deu as boas vindas aos que chegavam. “Bom dia aqui na zona livre do Gab. Mais um dia lutando contra comunistas que estão tentando roubar nossa liberdade de fala”.
O que diferencia o Gab, portanto, é não se preocupar em impor limites ou verificar o conteúdo do que é publicado. Isso já lhe rendeu problemas no passado.
Em outubro de 2018, o autor de um massacre de 11 pessoas em uma sinagoga de Pittsburgh, Robert Bowers, havia escrito no Gab um aviso de que cometeria um crime. Ele tinha um histórico de postar mensagens de ódio em sua conta na plataforma, sem nunca ter sido incomodado.
O perfil de usuários do Gab sugere que é um território propício para teorias conspiratórias. Uma das mais amalucadas é que a invasão do Congresso americano, no último dia 6, foi obra de esquerdistas.
“E se ficar provada que a invasão do Capitólio foi uma operação financiada por [George] Soros de infiltrados antifa [antifascistas] que se coordenaram com políticos e policiais corruptos?”, escreveu uma usuária nesta segunda-feira (11).
O Gab, por enquanto, parece ser ainda um veículo de nicho, mas que afirma estar crescendo rapidamente. Em uma mensagem enviada ao jornal americano Philadelphia Inquirer, seu fundador afirmou ter recebido 600 mil usuários novos nos últimos dias, quase dobrando o número anterior de usuários, calculado em 900 mil.
Desde o final de semana, diversos membros do governo Trump anunciaram em suas contas no Twitter que estavam migrando de plataforma.
Comparado a outras redes sociais, o Gab ainda é uma gota no oceano. O Twitter, por exemplo, tem 330 milhões de usuários, e o Facebook, 2,7 bilhões.
Mas o crescimento acentuado desta plataforma prova o ponto de que no mundo digital, tentar impedir algum tipo de manifestação, por mais odiosa que seja, é como querer impedir o rompimento de uma barragem com fita isolante.