Como foi acompanhar o caos nos EUA pelo universo paralelo de um site bolsonarista
“Que ano, meus amigos, em que a direita é revolucionária e a esquerda é reacionária”, disse Italo Lorenzon, durante uma transmissão ao vivo nesta quarta-feira (6) do canal Terça Livre, alinhado ao presidente Jair Bolsonaro e ao americano Donald Trump.
“A direita é contra o establishment”, reforçou Allan dos Santos, dono do canal, direto de Washington, onde transmitia por seu telefone celular o tumulto em frente ao Capitólio.
“A direita é punk”, completou Lorenzon.
Acompanhar a invasão do Congresso americano por meio de um dos principais veículos conservadores da internet brasileira foi como viver num universo paralelo, em que a direita era a vítima, arruaceiros eram manifestantes pró-democracia e o presidente derrotado nas urnas se comportava como um pacifista.
Com 1,17 milhão de assinantes no YouTube e quase 500 mil seguidores no Twitter, o Terça Livre é hoje uma das referências do pensamento conservador nas redes sociais do Brasil. Allan, que vive nos EUA, é uma espécie de líder oficioso da tropa de choque digital de Bolsonaro.
Na transmissão ao vivo, os debatedores se mostravam chocados com as cenas de violência que presenciavam, mas também as consideravam uma consequência inevitável de uma população indignada.
“Tem hora que a paciência esgota”, afirmou Lorenzon. “Estão percebendo que roubaram a eleição. É inaceitável que alguém diga que não houve fraude”, completou.
Allan dos Santos, enquanto isso, narrava maravilhado a cena que via. Em determinado momento, elogiou o fato de haver um grande número de bandeiras cristãs entre os manifestantes. Não mencionou os apoiadores de Trump fantasiados de vikings, no entanto.
Para o Terça Livre, o fato de Trump ter tuitado, e depois gravado um vídeo, pedindo calma a seus apoiadores era prova suficiente de que o presidente não poderá, em nenhuma hipótese, ser responsabilizado pela confusão.
“Já estão pedindo para o Trump ser preso”, afirmou Lorenzon. “Hahahaha. Essa vai ser a narrativa”, respondeu Allan.
Nesse universo paralelo, Mike Pence, o vice-presidente americano que se recusou a melar a votação do colégio eleitoral, foi não apenas covarde, mas burro. Poderia ter jogado o problema para a Suprema Corte e ganhado tempo, disseram os participantes do debate. “Não era uma saída tão corajosa, mas pelo menos não seria covarde”, afirmou um deles.
Em grupos de WhatsApp bolsonaristas, usuários festejaram o nascimento de uma nova “revolução” americana. O mesmo aconteceu com donos de perfis no Twitter que se orgulham de colocar uma bandeirinha dos EUA ao lado do próprio nome.
Ao menos por algumas horas, a ilusão de que veríamos o presidente americano mais quatro anos na Casa Branca prevaleceu. Nem a dura realidade de que em poucos dias haverá um democrata sentado na cadeira mais poderosa da política mundial arrefeceu os ânimos.
Mais importante, a invasão do Capitólio, e o estranho mundo em que agressores da democracia passam a ser vítimas, deve ter influências duradouras sobre a direita brasileira até a eleição de 2022.