É correto chamar defensores de Bolsonaro nas redes sociais de ‘blogueiros’?
Entre 2008 e 2011, tive um blog sobre o continente africano, o saudoso Pé na África, e há quase dois anos mantenho o Saída Pela Direita, dedicado a cobrir o mundo destro.
Sou, portanto, um blogueiro assumido, e nunca tive problema com este rótulo. De uns tempos para cá, no entanto, esta palavra, para minha surpresa, virou quase um xingamento.
Começou com a forma como diversos veículos de imprensa, Folha inclusive, passaram a se referir a apoiadores do presidente Jair Bolsonaro atuantes em redes sociais.
Figuras como Allan dos Santos, Oswaldo Eustáquio, Leandro Ruschel e Bernardo Kuster, entre outros, receberam o qualificativo de “blogueiros”.
Em retaliação, e provando mais uma vez que nosso debate público é pura quinta série, os bolsonaristas é quem passaram a chamar jornalistas profissionais, alguns com décadas de experiência, reconhecimento e prêmios no currículo, de “blogueiros”.
Ou seja, de repente, a palavra virou sinônimo de parcialidade, pouca credibilidade, ativismo e, pior, difusão de falsidades e de discurso de ódio contra opositores.
Definir de alguma forma os integrantes da tropa de choque bolsonarista nas redes sociais é um desafio, mas não consigo achar justificativa possível para que a palavra usada seja “blogueiro”, a começar por uma razão simples: o termo é impreciso. Nenhum dos apoiadores do presidente tem um blog, ao menos como atividade principal.
Alguns seriam mais apropriadamente chamados de youtubers, ou donos de sites. Allan dos Santos, por exemplo, expressa seu chapa-branquismo sobretudo por meio um canal de vídeo, o Terça Livre.
Kuster é youtuber e um dos editores do Brasil Sem Medo, site de notícias ligado ao filósofo Olavo de Carvalho. Ruschel faz vídeos e é bastante atuante no Twitter, como, aliás, são todos os outros. Eustáquio já teve blog, mas hoje também usa as redes sociais para sua receita de apoio ao presidente e ataque agressivo a opositores e jornalistas.
Por email, Leandro Ruschel disse a este blogueiro (eu) que o problema com o uso do termo é o que está por trás dele. “Eu não veria nenhum problema com o uso da expressão ‘blogueiro’, ou ‘blogueiro bolsonarista’, não fosse o claro objetivo de dar uma conotação negativa ao termo”, afirmou.
Segundo ele, o uso da expressão é parte de um “processo de criminalização dos conservadores, iniciado pela própria imprensa, que tem um viés claramente esquerdista”.
“Há uma busca por diminuir o trabalho de criadores independentes de conteúdo, num movimento corporativista, fisiológico. Haveria os jornalistas ‘profissionais’ e os outros, que não estariam no mesmo nível, e por isso não poderiam receber o tratamento de ‘jornalistas’. Não dá para negar que há também uma inveja clara pelo grande público que os criadores independentes de conteúdo alcançaram, em contraste com a queda de prestígio e alcance da imprensa tradicional”, afirma Ruschel.
Como se vê, o reconhecimento como “jornalista” é uma aspiração para os apoiadores do presidente, o que não deixa de ser curioso, dado o nível de agressividade deles com a imprensa.
“Do ponto de vista legal, não consigo diferenciar a minha atividade nas redes com a de jornalistas. Não é necessário ser formado em jornalismo para ser jornalista, segundo o marco legal vigente no Brasil”, diz Ruschel.
Ele dá outras alternativas para serem usadas no lugar do famigerado “blogueiro”: cita “jornalista independente”, “influenciador”, “conservador” e “comentarista”.
Ruschel tem razão quando diz que não há restrições legais para qualquer pessoa exercer o jornalismo. Também é inegável que muitos deste sites, canais de YouTube ou perfis de redes sociais usam notícias como matéria-prima para seu proselitismo.
Mas isso não é suficiente, a meu ver, para que possam ser chamados tranquilamente de “jornalistas”, como desejam. Os apoiadores do presidente, sobretudo os mais influentes, são em geral hiperparciais, agressivos, seletivos e muitas vezes têm escasso compromisso com a verdade. Ou seja, tudo que o jornalismo não deve ser, ao menos na minha concepção de jornalismo.
E do que chamá-los, afinal de contas? O mundo virtual cunhou um termo hoje um tanto desgastado, mas que caberia bem nesse caso: “influenciador”. “Ativista”, ou mesmo “youtuber”, também podem ser boas saídas.
E deixem “blogueiro” para pessoas que têm blog, e que não se ofendem com o termo.