‘Agência de checagem de direita’ chancela discurso bolsonarista nas redes
Em maio do ano passado, fiz um post listando o top 10 das coisas que mais irritavam a direita: Paulo Freire, Foro de São Paulo, Che Guevara e, claro, Karl Marx, estavam lá.
Se eu fosse atualizar hoje essa relação, teria que arrumar um espacinho para as agências de checagem, ou de fact-checking, no termo em inglês. Poucas coisas incomodam tanto a turma destra, especialmente a das redes sociais.
Esses veículos, surgidos nos últimos cinco anos e com DNA online por excelência, são formados por jornalistas que se dedicam a procurar furos em discursos, inconsistências em anúncios e, em muitos casos, afirmações que só podem ser chamadas de mentiras deslavadas.
Frequentemente, seus alvos são influenciadores digitais da direita, que reagem indignados acusando os checadores pela ofensa mais comum que conhecem: comunistas. Em alguns casos, há até processos.
Desde o mês de abril, no entanto, conservadores buscam responder na mesma moeda, o que não deixa de ser um reconhecimento implícito da força da checagem de fatos.
Foi quando entrou no ar no Twitter o perfil Verdade dos Fatos, que se define como a “primeira fact-checking das fact-checkings do Brasil”.
“Objetivo: a veracidade das checagens publicadas pelas agências checadoras e contrapô-las com a verdade real”, diz a agência, que já tem quase 50 mil seguidores e é frequentemente citada ou retuitada por próceres da direita nas redes.
Tentei entrar em contato com o perfil, que é anônimo, por meio de um endereço de contato fornecido em seu site, mas não houve resposta.
Na verdade, a agência muito pouco tem de checagem propriamente dita. Está menos preocupada em buscar contradições ou inverdades com base em argumentos sólidos do que em se somar ao exército de ativistas digitais que apoiam o governo de Jair Bolsonaro.
No último domingo (13), por exemplo a Verdade dos Fatos “checou” reportagem feita pela revista Época, segundo a qual a Abin (Agência Brasileira de Inteligência) foi utilizada para ajudar o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) a se defender no escândalo das “rachadinhas” na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.
O trabalho da agência foi meramente o de reproduzir a negativa oficial da Abin sobre a notícia veiculada pela revista.
Outro exemplo foi a “checagem” de um texto opinativo da colunista Eliane Cantanhêde, do jornal “O Estado de S. Paulo”, sobre o desempenho de Bolsonaro na pandemia.
“Bolsonaro optou por entrar para a história como o presidente que, entre a vida e a morte, ficou com a morte. E, em nenhum momento, reviu, tentou acertar. Começou errado e vai errado até o fim”, escreveu a jornalista.
Inconformada, a Verdade dos Fatos tascou um selo de “notícia falsa”, imitando a forma como agências de fact-checking atuam. Isso embora fosse uma opinião da jornalista, não exatamente um relato noticioso.
“A notícia publicada recebeu, merecidamente, o selo de ‘NOTÍCIA FALSA’, pois é mentirosa a desinformação atribuída à pessoa do presidente Jair Bolsonaro”, disse a agência. “Há claro objetivo de desgastar, a qualquer custo, a imagem do presidente da República, na publicação da blogueira”.
Chamar jornalistas de blogueiros é outra característica da Verdade dos Fatos, mais uma vez imitando a maneira como a imprensa se refere a diversos influenciadores e ativistas de redes sociais que defendem Bolsonaro.
Algumas notícias recebem o selo “Narrativa Distorcida”, em geral quando a agência entende que determinados fatos foram apresentados de uma forma que atenda aos interesses de discursos esquerdistas.
É provável que vejamos em breve outras iniciativas na direita para entrar no nicho das agências de checagem, dentro do velho ditado de que se não pode vencê-los, junte-se a eles.
A Verdade dos Fatos ainda é um esforço tosco e risível, mas é um começo. Seus sucessores terão de melhorar.