Mogi das Cruzes vira laboratório para o liberalismo em prefeituras

Aos 42 anos, Caio Cunha (Podemos) conseguiu duas façanhas simultâneas ao ser eleito no último domingo (29) prefeito de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo.

A mais óbvia, destronou o grupo ligado ao ex-deputado federal Valdemar da Costa Neto (PL), maior cacique político da cidade de cerca de 500 mil habitantes. Mas há outra: Cunha é caso raro de político que se assume liberal, e sem perder votos por isso.

Analista de sistemas por formação e vereador durante dois mandatos, Cunha é ligado ao movimento Livres, que se define como “liberal por inteiro”, na economia e nos costumes. Será o único prefeito associado ao grupo, que elegeu também 12 vereadores em 7 estados.

O Livres é um grupo suprapartidário, com seus associados pertencendo a diversas legendas diferentes, como Cidadania, Novo, PSDB, PSD e Podemos. Surgiu primeiro dentro do PSL, até a sigla ser tomada em janeiro de 2018 por um certo Jair Bolsonaro e seu grupo.

Desde então, o Livres funciona fora das estruturas das legendas, como uma espécie de “selo de qualidade liberal”. Ser associado ao grupo significa defender desburocratização, livre iniciativa, empreendedorismo e um Estado menor.

O novo prefeito de Mogi diz que professa todos esses valores. “Mogi tem um potencial incrível, está muito bem localizada, perto das principais rodovias, litoral, aeroporto, universidades. Mas essa situação não está sendo explorada favoravelmente“, disse Cunha em conversa com o blog.

Para destravar esse potencial, ele prometeu em seu programa de governo avançar na desburocratização e digitalização de processos de alvarás, registros e pagamento de impostos.

“Queremos incentivar a vinda de empresas e fomentar o empreendedorismo mogiano. Para estimular emprego e renda, tem que haver a retomar da economia, e para isso quero ser parceiros das empresas”, afirma.

Uma medida simbólica desse estímulo aos empreendedores, diz o prefeito, será um processo de legalização de vendedores informais da cidade. um programa que ele batizou de “Ambulante Legal”.

O novo prefeito é um liberal cauteloso. Diz não ser um adepto ideológico da tese de privatizar a qualquer custo.

“Privatização funciona quando é necessária. Temos aqui a autarquia municipal de água e esgoto, que está indo muito bem, não tem necessidade de privatização, e que gera lucro. Tem que ter bom senso, não pode ser radical. Cada caso é um caso”, diz.

Da mesma forma, ele não pretende promover grandes reduções da carga tributária, mas sim repensar a estrutura de cobrança de impostos do município.

“Eu assumi o compromisso de não fazer aumento real do IPTU [Imposto Predial e Territorial Urbano]. Tem muita gente pagando mais do que deveria. Vamos reduzir tarifas, mas com muito cuidado”.

O mesmo como o ISS (Imposto sobre Serviços), um dos principais instrumentos para chamar investimentos. “Vamos construir um modelo para atrair novas empresas, em alguns casos baixar o imposto. Mas não podemos onerar o município fiscalmente também”, diz.

O presidente do grupo Livres, Paulo Gontijo, diz que as eleições de 2020 mostraram que os eleitores estão cansados de aventuras ideológicas e puniram liberais que tentaram se aproximar do governo de Jair Bolsonaro.

“As urnas reforçaram o que nós, do Livres, já avisávamos desde janeiro de 2018: o liberalismo simplesmente não sobrevive quando tentam vinculá-lo ao reacionarismo. Precisamos construir uma via liberal por inteiro, que seja coerente e consistente na missão de furar a bolha e trazer soluções concretas para os problemas reais das pessoas”, afirmou.

As reais condições de Cunha para implementar uma agenda liberal em Mogi das Cruzes só ficarão claras quando ele tomar posse em janeiro. No dia a dia de uma administração, é preciso lidar com vereadores, uma infinidade de interesses pré-estabelecidos e uma população que nem sempre quer menos Estado. Frequentemente, deseja o contrário.

O próprio Livres já teve uma experiência ruim com um prefeito. Vinicius Claussen, de Teresópolis (RJ), era ligado ao grupo, mas se afastou no ano passado quando decidiu aliar-se ao então governador Wilson Witzel (PSC), que nada tem de liberal.

Agora, o liberalismo tem em Mogi das Cruzes uma nova chance para se redimir na dura realidade de uma prefeitura.