Vox, da ultradireita espanhola, é o novo flerte ideológico de Eduardo Bolsonaro

Com a derrota de Donald Trump nos EUA e de diversos direitistas na América Latina, os formuladores da política externa de Jair Bolsonaro vêm buscando amigos em outros lugares.

Um destes parceiros emergentes é o Vox, partido de ultradireita espanhol cujo discurso de em defesa de pátria, família e igreja em muitos aspectos casa com o do presidente brasileiro.

Nesta quinta-feira (26),o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), hoje a principal voz do governo do pai na área externa, participou de um debate online promovido pela Fundación Disenso, recém-criada pelo Vox.

Estiveram presentes no webinário o líder do partido espanhol, Santiago Abascal, que é também deputado federal, a líder oposicionista venezuelana Maria Corina Machado e Arturo Murillo, que foi ministro no governo de Jeanine Añez, presidente boliviana que sucedeu Evo Morales no final do ano passado.

O tema foi o Foro de São Paulo, organização de partidos de esquerda latino-americanos definida pelos organizadores do evento como “uma ameaça para a liberdade na Iberosfera”.

No início do mês, Eduardo e a deputada federal Bia Kicis (PSL-DF) assinaram a Carta de Madri, um conjunto de princípios formulado pela fundação do Vox para “defender a liberdade e a democracia” entre os países ibero-americanos.

Anfitrião do evento, Abascal fez um chamado pela unidade dos partidos de direita em escala global. “Estamos vendo o crescimento da extrema esquerda populista, e por isso temos que trabalhar unidos”, afirmou.

Ele citou o exemplo da própria Espanha, em que a coalizão atualmente no poder é liderada pelo Partido Socialista, que governa com o Podemos, outra legenda esquerdista.

“A unidade é nossa única força, é o que pode compensar nossa fraqueza, que é o fato de sermos democratas. É muito difícil lutar contra terroristas, narcoprodutores”, disse o líder do Vox no evento.

Eduardo começou sua participação no evento fazendo uma espécie de tietagem virtual com Abascal. “Você não sabe quantas pessoas no Brasil querem tirar uma foto com você, Santiago”, disse o filho do presidente, falando um espanhol bastante fluente.

Ecoando a pregação do líder do Vox pela unidade mundial dos conservadores, Eduardo pediu que a direita se concentre em conquistar espaços sobretudo em universidades, para formar uma nova geração intelectual menos receptiva ao chamado “marxismo cultural”.

“Aqui no Brasil temos um presidente conservador, mas com todas as instituições culturais dominadas pela esquerda. O que nós precisamos é trabalhar nas universidades, para formar a intelectualidade dos próximos 10, 20 anos. Estamos em uma guerra cultural”, disse o deputado federal.

O “marxismo cultural”, termo criado pela direita americana e importado pela brasileira, significa a suposta infiltração de ideias de esquerda na elite intelectual do planeta. A expressão foi adaptada do conceito de hegemonia cultural, defendido pelo teórico marxista italiano Antonio Gramsci (1891-1937).

“Desde os anos 60, se nota que em universidades, na imprensa, na Justiça, um aumento cada vez maior de pessoas que se colocam como agentes transformadores”, afirmou Eduardo.

A ex-deputada venezuelana Maria Corina, uma das principais lideranças de oposição ao ditador Nicolás Maduro, usou a crise econômica e social de seu país como exemplo do que poderia acontecer no restante do continente.

“Nós venezuelanos viemos do futuro para alertar vocês. Há 22 anos dizíamos que Venezuela não é Cuba, e hoje a Venezuela está pior que Cuba”, disse.

Atualmente, segundo ela, o mesmo está acontecendo na Argentina, também governada pela esquerda. “Vejo argentinos dizendo que a Argentina não é a Venezuela. Mas esse processo está se reproduzindo em todas as partes”, disse.

Da mesma forma, o boliviano Murillo atribuiu à desunião da direita a volta ao poder em seu país do MAS (Movimento ao Socialismo), um ano após a queda do presidente Evo Morales. “Não conseguimos fazer uma unidade. Se tivesse havido, não teria acontecido o que aconteceu”, afirmou.

Ao retomar a palavra, Abascal reforçou o pedido de unidade da direita, mas não a qualquer preço. “Precisamos de unidade para o combate. Não pode haver equidistância do bem contra o mal”, afirmou.

Eduardo concordou com o neoaliado. “Podemos seguir o caminho dos que falam, com o perdão das palavras, essas merdas, ou tentar seguir por outro caminho: o da justiça, o certo. É uma luta do bem contra o mal, sem dúvida nenhuma”, afirmou.

Presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados, o filho do presidente tem tentado, desde a vitória de seu pai, estabelecer pontes com a direita global, mas essas iniciativas, após um início promissor, não têm tido continuidade.

Em dezembro de 2018, ele organizou a Cúpula Conservadora das Américas, em Foz do Iguaçu (PR), mas uma segunda edição nunca saiu do papel.

Também fez contatos com Steve Bannon, ex-guru de Donald Trump, que estava organizando uma entidade supranacional, chamada de “Movimento”. A iniciativa naufragou e não se fala mais dela.

Em outubro de 2019, ele ajudou a organizar uma versão brasileira da Cpac, principal conferência conservadora americana. Uma segunda edição foi cancelada por causa da pandemia, e talvez ocorra no ano que vem.

A aliança com o Vox, assim, é mais uma tentativa de criar laços globais para a direita brasileira. O partido espanhol é um personagem em ascensão na constelação destra.

Na última eleição, em novembro de 2019, conseguiu 15,08% dos votos, elegendo 52 deputados. Tornou-se assim a terceira força política do país europeu, e a voz mais barulhenta da oposição.

Depois de Trump, do italiano Matteo Salvini e do húngaro Viktor Orbán, Santiago Abascal chega com tudo para cativar os corações e mentes bolsonaristas.