Caso do pai da governadora é só a face mais visível do nazismo em SC
Em setembro, o PL da pequena cidade de Pomerode (SC), de forte colonização alemã, divulgou sua chapa de candidatos a vereador. Entre eles, estava o professor Wandercy Pugliesi, que durante anos deu aulas de História em cursinhos da região do vale do Itajaí, norte catarinense.
Nada anormal, se não fosse o fato de ele ter uma suástica nazista pintada em azulejos no fundo da piscina de sua casa, flagrada por uma foto aérea há alguns anos.
Pressionado, o partido acabou cancelando a candidatura e expulsando Pugliesi de seus quadros. O professor foi procurado por meio de seu celular, mas não atendeu ao pedido de entrevista.
A mera possibilidade de que um simpatizante do nazismo pudesse concorrer a um cargo eletivo mostra a força dos defensores do regime de Adolf Hitler no estado.
Outro exemplo veio à tona nessa semana, após a posse de Daniela Reinehr (sem partido) como governadora interina de Santa Catarina. Ela substitui temporariamente Carlos Moisés (PSL), afastado por ser alvo de processo de impeachment.
O pai da governadora, o professor de História Altair Reinehr, é um hitlerista convicto e negacionista do Holocausto. Reinehr até agora se esquivou ao ser questionada se partilhava dessas visões.
Santa Catarina é o estado brasileiro onde o neonazismo é mais presente, segundo a doutora em Antropologia pela Unicamp Adriana Dias, que há 20 anos estuda esses movimentos.
Para a estudiosa, explicar o fenômeno apenas pela forte colonização alemã no estado é simplista. “Afinal, nem todo neonazista é de origem alemã”, diz ela.
Mais relevante, afirma, é estudar a maneira como o estado foi povoado. “Santa Catarina é bastante rural, com muitas cidades pequenas, que têm tendência de serem homogêneas, com uma só etnia. O ‘outro’ é visto como elemento que contamina a sociedade. Nesses lugares, sempre proliferaram o racismo e a eugenia”, diz.
Soma-se a isso a presença em regiões isoladas do estado de vertentes ultraconservadoras do pensamento luterano, que tendem a glorificar o passado germânico, incluindo uma visão positiva do hitlerismo.
Esse tipo de ideologia, diz a pesquisadora, é mais fácil de ser replicada longe dos grandes centros urbanos. Academias de luta, por exemplo, são locais favoritos para o proselitismo de ideias nazistas.
Dias monitora constantemente a presença de células nazistas no Brasil e diz que atualmente elas são 350, o maior número em Santa Catarina. Depois vêm São Paulo, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e o Distrito Federal. “Mas eu já achei na Bahia, até no Amapá”, diz.
Uma célula, diz ela, é um agrupamento que varia de 4 a 80 pessoas. Mais assustador, não são meros nazistas de Facebook. É gente que extrapola o ciberespaço fazendo pichações, distribuindo panfletos e eventualmente cometendo atos de agressão verbal ou física.
Outro mito, afirma, é achar que estes extremistas agem de forma unificada. “Um neonazista não é sempre igual ao outro. Tem nazistas com motivação antissemita, tem os que agem por razão religiosa, tem os antigay, e outros”, diz.
Em geral, as células, seja em Santa Catarina ou em outros lugares, agem de forma descoordenada, o que ela avalia ser uma boa notícia. “Se todas elas se comunicassem, estaríamos perdidos”, diz.
Além das células ativas, há o neonazismo que se expressa nas redes sociais. No WhatsApp há diversos grupos que defendem essas ideias, como mostrei numa reportagem no ano passado.
Nos cálculos da pesquisadora, cerca de 500 mil brasileiros consomem material neonazista atualmente. “Mein Kampf (Minha Luta, escrito por Hitler) é um livro muito lido no Brasil”, diz.
Nos últimos dois anos, período que coincide com a onda de direita e a eleição de Jair Bolsonaro, o crescimento desses movimentos acelerou-se, de um índice de 8% ao ano para o dobro disso por semestre, diz a pesquisadora.
Tamanha desenvoltura desses movimentos chama a atenção e levanta a pergunta: por que eles atuam livremente? Dias diz que, em cidade pequenas de Santa Catarina, por exemplo, há uma mesma “narrativa simbólica”. Mesmo que autoridades não compactuem com o nazismo, entendem que é desnecessário coibir sua propagação.
Outro argumento sempre usado é o da liberdade de expressão. O caso do ex-candidato com a suástica na piscina é representativo disso. Ele não foi investigado ou acusado, com o argumento de que o símbolo era uma manifestação privada, dentro de sua casa.
A pesquisadora discorda do argumento: “A partir do momento que a suástica pode ser vista no Google Earth, deixou de ser privada”, declara.