Licença para loja na Grande SP vender fuzis do Exército é marco para lobby das armas

“E aí? Vai perder a oportunidade? As entregas já começaram”, diz o anúncio postado no dia 9 de outubro pela Isa, tradicional loja que existe há 30 anos em São Caetano do Sul, na Grande São Paulo.

O que torna a propaganda peculiar são os produtos em oferta: fuzis do Exército, cuja venda acaba de ser facilitada pelo governo de Jair Bolsonaro.

A loja é a revendedora no estado de São Paulo da Imbel (Indústria de Material Bélico do Brasil), empresa de produção de armas vinculada ao Exército. A estatal, criada em 1975 pelo regime militar, vende pistolas, fuzis, carabinas, munição e outros produtos.

É uma rara concorrente da gaúcha Taurus, que praticamente monopoliza o mercado brasileiro de armas. Mas a Imbel corre num nicho próprio. Seu grande diferencial é ser a fornecedora de armamento para as Forças Armadas e agentes de segurança.

Ao longo do ano passado, uma série de decretos de Bolsonaro mudou a classificação de alguns calibres e tipos de armas, o que facilitou que sejam adquiridos.

A Isa, desde o início de outubro, é a primeira loja autorizada pela Imbel a vender dois modelos muito cobiçados por quem atira: fuzis e carabinas, nos calibres 5.56 e 7.62.

O grande chamariz é o ParaFal, que agora pode ser comprado por cerca de R$ 12.900. “Quem serviu o Exército usou essa arma, então muitos são apaixonados por ela, têm um grande saudosismo”, diz Charles Blagitz, 52, instrutor de tiro da loja.

A outra novidade é a carabina IA2, que sai um pouco mais em conta, ao redor de R$ 10.000. A procura tem sido grande, afirma Blagitz. Antes dos decretos do governo federal, o carro-chefe da loja era a pistola 380, que ainda tem grande demanda.

Segundo Blagitz, os diferenciais dos produtos da Imbel são a robustez e a confiabilidade. “É ama arma nacional, com garantia nacional, assistência técnica. Atiradores esportivos gostam bastante, porque sabem que não vão ficar na mão no meio de uma competição”.

A clientela da loja é formada sobretudo por membros de forças de segurança, que têm autorização para comprar armas. São soldados, policiais e agente penitenciários que compram os produtos como pessoa física.

A facilitação do comércio de armas mais pesadas, como fuzis de uso do Exército, não significa que estarão disponíveis para todos os interessados. Ainda há a necessidade de se seguir uma série de autorizações especiais para a compra.

Mas, após essa reclassificação, a proibição total de acesso para consumidores ficou restrita às armas automáticas.

A mudança nos critérios para compra de armas faz parte de uma política do governo Bolsonaro para atender a uma de suas principais bases sociais.

Defensor histórico do armamento, o presidente já tentou facilitar o acesso às armas diversas vezes por meio de decretos, mas que acabaram barrados pelo STF e pelo Congresso. Ele então tem recorrido a mudanças pontuais.

Outras medida já anunciada atende aos chamados CACs (Colecionadores, Atiradores e Caçadores), dando a eles o direito de portar armas carregadas. Também houve acenos aos ruralistas, que agora podem considerar toda a propriedade como se fosse sua residência, onde a posse de armas é permitida.

Mesmo com todas as limitações, o sentimento geral dos defensores de armas é de gratidão a Bolsonaro. A própria loja Isa é um exemplo disso.

Num vídeo anunciado o início das vendas dos fuzis, um dos proprietários agradece ao presidente pela possibilidade. No início de outubro, a loja mostra com orgulho a visita do secretário de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura, Nabhan Garcia, antigo opositor dos sem-terra, ao lado de outros funcionários do governo. “Pensa em um time de peso”, diz o post.

Com o clima favorável ao armamento, os registros de armas de fogo no Brasil têm crescido expressivamente no Brasil. Para Blagitz, ainda há muito o que fazer: liberar a entrada de fabricantes estrangeiras, por exemplo, ajudaria a trazer novas tecnologias para o país, além de dar um choque modernizador para a indústria nacional.

Mais importante, acredita, é preciso atualizar a legislação. “Nossas restrições são da era Getulio Vargas, tem que renovar”, diz.

Para ele, as pessoas querem ter armas em casa, para sua proteção. “Tem que ter equilíbrio, o brasileiro precisa ter direito à escolha. Todo mundo é adulto. Você não pode ser tutelado, o Estado não pode decidir o que você quer fazer, o que vai comer. As pessoas querem exercer seus direitos”, afirma.