Campanha anti-venezuelanos em RR mostra que xenofobia chegou de vez à direita brasileira

Capital de Roraima, Boa Vista tem 11 candidatos a prefeito, dos quais 3 têm tratado na campanha de uma suposta ameaça representada pelos imigrantes venezuelanos. Todos de direita.

Nicoletti, do PSL, promete acabar com o que chama de “privilégios” de que a comunidade desfrutaria. Eles incluiriam a prioridade no uso de serviços públicos e o trabalho desimpedido no comércio informal em plena pandemia.

Gerlane, do PP, vai além. Anuncia que pressionará o governo federal pelo fechamento de 9 dos 11 abrigos que existem hoje na cidade para abrigar uma comunidade, que, segundo algumas estimativas, passa de 30 mil pessoas.

Luciano Castro, do PL, relaciona, em seu programa de governo, os venezuelanos à criminalidade. Uma de suas promessas é “reforçar a ação da Guarda Municipal na prevenção e repressão a ações delituosas e criminosas cometidas por imigrantes contra o patrimônio público”.

Parece que a retórica anti-imigrantes, tão comum na Europa e nos EUA, chegou de vez à direita brasileira. Ainda é um fenômeno um tanto restrito a áreas em que esse assunto é quente, como Roraima.

Não se imagina que a questão da imigração venezuelana ocupe lugar de destaque, por exemplo, na campanha presidencial em 2022. Mas em disputas regionais, como a de agora, ela já tem peso considerável.

Esse tipo de demonização dos imigrantes vem sempre acompanhada de uma palavra pesada: xenofobia. Mas candidatos xenófobos fazem de tudo para se distanciar do rótulo.

Em conversas com Nicoletti e Gerlane na semana passada, ambos me disseram que têm respeito pelos imigrantes. Garantem que se trata apenas de proteger os cidadãos de Boa Vista, que competem com os venezuelanos por empregos e acesso a escolas e hospitais.

Gerlane chega a prometer designar unidades de saúde exclusivamente para atender os imigrantes, o que traz ecos desconfortáveis de medidas de segregação que existiram em países como EUA e África do Sul no passado.

A onda migratória venezuelana começou por volta de 2016 e intensificou-se em 2018, conforme o desastre econômico do governo de Nicolás Maduro se intensificava. Estima-se que mais de 100 mil venezuelanos tenham cruzado a fronteira brasileira.

Grande parte foi “interiorizada”, ou seja, enviada, muitas vezes com auxílio federal, para outros estados. Há atualmente núcleos consideráveis de venezuelanos no Amazonas e em estados do Nordeste e do Sul/Sudeste. Muitos permaneceram, contudo, em cidades de Roraima, sobretudo Boa Vista.

Parte considerável vive em abrigos, mas há centenas também nas ruas, aumentando a sensação de insegurança da população e dando margem à exploração por candidatos populistas.

Se o assunto é tema de campanha, é porque os candidatos entendem que existe público para isso. Nicoletti e Gerlane afirmam que a maioria da população de Boa Vista concorda que é preciso colocar limites na presença dos venezuelanos. O candidato do PSL defende claramente estabelecer limites na fronteira, dizendo que não há mais condição para receber imigrantes.

Em todo o planeta, o tema da imigração virou uma bandeira da direita, sobretudo na última década. Na Europa e nos EUA, a xenofobia tem ainda um componente religioso, uma vez que grande parte dos imigrantes vêm de países islâmicos. Felizmente, esse ingrediente ainda é marginal por aqui.

A situação não deixa de ter seus paradoxos. Quem deixa a Venezuela é porque está fugindo da fome, da falta de segurança e da perseguição política de um regime de esquerda. Mas parte da direita, longe de receber esses refugiados com heróis, repete a atitude hostil contra eles.

Na campanha de 2018, já houve muxoxos em Roraima pedindo restrições aos venezuelanos. Curiosamente, num raro lampejo de bom senso, o então candidato Jair Bolsonaro absteve-se de estimular esse tipo de discurso.

Como presidente, Bolsonaro manteve uma estrutura eficiente de recepção aos imigrantes, a Operação Acolhida, iniciada por Michel Temer. Não deixa de ser irônico que o principal líder da direita brasileira esteja lidando com a questão com mais racionalidade do que seus seguidores em Boa Vista.