Apesar de frustração com STF, conservadores não pularão do barco de Bolsonaro
De empresários a líderes religiosos, de deputados a filósofos, a grita em torno da nomeação de Kassio Nunes para o Supremo Tribunal Federal coloca a pergunta: estariam o conservadorismo e o presidente Jair Bolsonaro vivendo sua crise definitiva?
É tentador dizer que sim, mas a realidade recomenda mais cautela.
O barulho desta vez está maior, mas não é a primeira vez que Bolsonaro decepciona sua base mais fiel. Já ocorreu, apenas para citar dois exemplos, nos casos da aliança com o centrão e da nomeação de Augusto Aras para a Procuradoria-Geral da República.
E por que agora chegamos ao ponto de especular-se um rompimento definitivo? Há diversos ingredientes para isso.
O primeiro é uma sensação de que o presidente foi desleal. Desde antes da posse, ele já prometia um conservador puro-sangue para a vaga de Celso de Mello.
Se fosse evangélico, tanto melhor, mas nem isso seria necessário. Bastava que professasse os valores da família, da pátria e de Deus e tivesse um compromisso com o punitivismo, que se traduz em prestigiar a Lava Jato.
Afinal, mesmo após o traumático divórcio com Sergio Moro, um certo espírito encarnado pelo ex-juiz segue sendo um valor precioso para parte importante da base do presidente.
O desembargador Kassio simplesmente não é visto como alguém a preencher esses requisitos.
O segundo ingrediente deriva do primeiro. Para os autodeclarados líderes da revolução conservadora em curso no país, coisas como acesso a armas, liberação de agrotóxicos ou ensino domiciliar são avanços desejáveis, mas acessórios.
A verdadeira mudança se traduz na limpeza das instituições. Uma franja lunática defende que isso ocorra invocando um novo AI-5 ou o artigo 142 da Constituição, que, segundo essa interpretação descabida, abriria caminho para uma intervenção militar.
A maioria realista, no entanto, sabe que o avanço tem de ser gradual. Em 2018, a direita abocanhou o Executivo e um naco do Legislativo, algo que almeja ampliar em 2022.
Capturar o Supremo, com suas regras rígidas de preenchimento, é algo bem mais complicado. Perder uma oportunidade, como o que o presidente acaba de fazer, é algo visto como inexplicável.
Para azar de Bolsonaro, a vaga brasileira surgiu no momento em que o mesmo ocorreu nos EUA, e o contraste com a escolha de Donald Trump para a Suprema Corte, de uma conservadora acima de qualquer suspeita, ficou evidente.
Em breve, os EUA poderão ter uma sólida maioria conservadora de 6 juízes a 3. Aqui, nem a chance de fazer 10 a 1 Bolsonaro aproveitou (ou 9 a 2, se Dias Toffoli for contabilizado no campo do presidente, o que hoje não soa tão absurdo).
Do ponto de vista dos conservadores, há agreavantes como a ligação de Kassio com figuras petistas, sua decisão que beneficiou o terrorista Cesare Battisti (embora numa questão processual, não de mérito) e a relutância em apoiar a prisão após a condenação em segunda instância.
Nada que se compare ao simbolismo de liberar lagostas para o bufê do STF. Quem já esteve numa manifestação bolsonarista pôde perceber a quantidade de alusões a esse assunto.
A artilharia pesada não tardou. Veio de Winston Ling, empresário bolsonarista de primeira hora, e dos editores do jornal Brasil Sem Medo, uma espécie de Pravda de Olavo de Carvalho.
Veio do analista conservador Leandro Ruschel, do deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PSL-SP) e até do líder de facto da tropa de choque digital do presidente, Allan dos Santos, entre outros.
Se tanta gente de peso rompesse, haveria um estrago à base conservadora do presidente inegável. Mas até esta terça-feira (6), esse rompimento generalizado não havia ocorrido. Provavelmente, não ocorrerá.
Os ativistas conservadores falam a mesma língua de Bolsonaro, que nem sempre é compreendida por quem observa de fora. É o idioma das declarações extremadas e dos tuítes cortantes, da boca suja de Olavo e do “acabou, porra”. Eles sabem que o presidente é suscetível a esse tipo de tensionamento, até porque Bolsonaro vem da mesma linhagem.
A voz grossa deve ser vista como uma tentativa de pressão, nunca como um afastamento definitivo. Deu certo em outras circunstâncias, como no cancelamento de nomeações de indicados para a pasta da Educação, por exemplo. A diferença é que dessa vez Bolsonaro decidiu que não vai recuar. Pelo menos, por enquanto.
Os conservadores são diferentes dos lavajatistas, que sempre foram uma espécie de módulo acoplado à nave-mãe do presidente. Com Moro defenestrado, muitos, embora não todos, seguiram seu comandante para a oposição.
A direita ligada ao presidente, no entanto, não tem para onde correr. Sem Bolsonaro, quem será seu campeão? Damares Alves ou Abraham Weintraub, ídolos da base, ainda parecem muito periféricos para serem vistos uma opção realista. E seguem jurando lealdade ao presidente.
É uma situação que lembra, com sinal trocado, a da esquerda petista que gritava contra Lula durante seu governo, mas que sempre acabava em seu colo. Apenas alguns poucos desertaram, para criar o PSOL.
Passada a revolta inicial, o tom já baixou. Um exemplo eloquente foi dado pelo ex-deputado Roberto Jefferson (PTB), hoje muito influente entre apoiados do presidente.
“É preciso dar um crédito de confiança. Nenhum indicado vai ser 100% perfeito”, tuitou ele, agregando a hashtag #FechadoComBolsonaroAte2026. Houve acenos de Weintraub e de líderes evangélicos, como os da Igreja Universal.
Outros mencionaram uma frase atribuída ao ex-presidente americano Ronald Reagan: “A pessoa que concorda com você 80% do tempo é uma aliada, não 20% traidora”.
Tudo isso leva a crer que não será dessa vez que a barca conservadora se partirá.