Perseguição a cristãos é tema esquecido, diz entidade ligada ao tema

Foram apenas 16 palavras num discurso de 15 minutos, mas o suficiente para causar reações de espanto e uma torrente de críticas.

“Faço um apelo a toda a comunidade internacional pela liberdade religiosa e pelo combate à cristofobia”, disse o presidente Jair Bolsonaro em seu discurso na abertura da Assembleia Geral da ONU, na última terça-feira (22).

A surpresa reverberou mais forte numa organização com sede em São Paulo não muito conhecida, ao menos fora dos círculos cristãos.

“Não sabíamos que o presidente falaria sobre esse assunto. Ninguém do governo nos procurou antes”, diz Marco Cruz, 46, secretário-geral da Portas Abertas, entidade que se dedica a defender cristãos perseguidos.

A visibilidade que o discurso gerou para a causa, prioritária para a direita americana, mas ainda um tanto obscura no Brasil, foi comemorada. “Trazer o tema à pauta é positivo, seja por Bolsonaro, [Donald] Trump ou [Angela] Merkel”, afirma.

Estabelecida no Brasil desde 1978, a entidade é filial de uma organização mundial, fundada na Holanda em 1955, e atualmente presente em cerca de 70 países.  Reúne cristãos de diversas denominações, de católicos a neopentecostais, com o único propósito de denunciar a “cristofobia” mencionada pelo presidente –embora a entidade não utilize esse termo.

“O que quer dizer esse termo? Fica muito genérico. É preciso ter muito cuidado, para que a gente tenha o foco claro de atuação”, afirma. A Portas Abertas prefere falar em “perseguição a cristãos”.

No Brasil, são cerca de 50 pessoas dedicadas diretamente ao trabalho da entidade, mais cerca de 500 voluntários e 36 mil “parceiros”, que ajudam em campanhas de mobilização ou contribuem financeiramente.

A perseguição aos cristãos, afirma Cruz, não é fenômeno que ocorre no Brasil, ao menos não nos moldes de locais como Nigéria ou Coreia do Norte.

Todos os anos, a Portas Abertas divulga uma Lista Mundial da Perseguição, elencando os países onde cristãos vivem sob ameaça. Na relação de 2020, são 50 locais, praticamente todos na África e Ásia.

O único nas Américas é a Colômbia, onde ainda hoje, segundo a organização, lideranças cristãs são ameaçadas por guerrilheiros, narcotraficantes e paramilitares.

Se não há perseguição no Brasil, então qual o sentido de ter uma organização desse tipo por aqui?

Cruz afirma que o Brasil pode ter peso grande nesse tema, por seu tamanho e população praticamente 100% cristã. A entidade se dedica a fazer campanhas de mobilização e arrecadação de fundos para ajudar projetos que protegem populações ameaçadas em outros países.

“Há um desinteresse generalizado por esse tema no mundo, embora os cristãos formem um dos grupos mais perseguidos do planeta. Mais de 260 milhões de cristãos vivem em lugares em que não podem professar livremente sua fé, ou 1 em cada 8″, afirma.

Em sua maioria, a perseguição ocorre em locais com regimes islâmicos rígidos, como Líbia, Afeganistão ou Irã. Outro grande inimigo do cristianismo, diz Cruz, é o comunismo.

“Na China, onde o cristianismo é controlado pelo Estado, a polícia religiosa tem uma salinha dentro da igreja”, afirma ele, que viveu durante três anos em Xangai.

Mas nada é pior do que a Coreia do Norte, que Cruz não tem dúvidas em caracterizar como o mais perigoso país do planeta para os cristãos. “Lá, é simplesmente proibido. Existem 300 mil cristãos secretos. Se alguém é descoberto, geralmente é preso e mandado para um campo de trabalhos forçados”, afirma.

A Portas Abertas se define como uma organização neutra com relação a Bolsonaro. “Não somos contra o Bolsonaro, nem a favor. Nosso foco é o cristão perseguido”, diz o secretário-geral. Também afirmam ser totalmente independentes de estruturas eclesiásticas ou governos.

Anualmente, a entidade promove o “Domingo da Igreja Perseguida”, uma ação com a participação de mais de 10 mil igrejas, que define um tema específico para a campanha. Em 2020, foram ex-muçulmanos convertidos ao cristianismo, grupo que é especialmente perseguido.

Outras ações incluem campanhas de envios de cartões para populações perseguidas pelo mundo, ciclos de orações, viagens a países afetados, treinamento de pastores e missionários e distribuição de Bíblias.

Engenheiro mecânico com mestrado em teologia e membro da Igreja Batista, Cruz discorda da avaliação de que o foco na perseguição aos cristãos atrapalhe o combate a ataques ocorridos contra outras religiões no Brasil, como as de matriz africana.

“A liberdade de fé e religião é para todos, seja para muçulmanos, religiões africanas ou budistas”, diz.