Livro mostra como nova direita ocupou espaços em prefeituras
Um dos grandes fenômenos da década que está terminando, a ascensão da nova direita ainda está por ser compreendida.
Uma iniciativa que ajuda a entender essa revolução está no recém-lançado livro “Eleições Municipais – Novas Ondas na Política” (FGV Editora), organizado por Antonio Lavareda e Helcimara Telles.
É uma coletânea de artigos sobre tendências da política no âmbito local, o das prefeituras, que é uma das bases do nosso sistema representativo.
Um dos capítulos baseia-se em estudo do grupo de pesquisa “Novos Partidos no Brasil: Gêneses, Perfis e Trajetórias”, da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul). Joga luz sobre o barulhento surgimento do que se convencionou chamar, talvez por falta de outro nome, de “nova direita”.
O texto é assinado pela professora Silvana Krause, coordenadora do grupo, e por Bruno Marques Schaefer, Carolina Corrêa, Tiago Alexandre Leme Barbosa e Guilherme Falcão Goulart, que o integram.
O que eles demonstram, com base em resultados de eleições municipais desde 1988, é que a nova direita surge como um furacão para tomar espaços antes ocupados não apenas pela direita tradicional, mas também pelo centro e pela esquerda.
“A nova direita, apesar de predominantemente assentar-se no espaço do centro e da direita, também ‘levou ao ar’ prefeituras que eram administradas pela esquerda nos governos de coalização liderados pelo PT”, concluem os pesquisadores.
A nova direita manifestou-se de variadas formas nos últimos anos. Na imprensa, em institutos e nas redes sociais, surgiram novas vozes defendendo valores conservadores que estavam adormecidos durante o longo período em que a política se resumia a um revezamento entre PSDB e PT.
Nas ruas, movimentos atrevidos, como o MBL (Movimento Brasil Livre), conseguiram surpreendente poder de mobilização. E na política institucional, surgiram partidos para representar esse novo cenário.
É sobre esse último aspecto, das novas legendas, que o estudo se debruça. Como metodologia, os autores diferenciam diversas direitas. A “direita tradicional” é a de PP e DEM, partidos herdeiros da Arena, que dava sustentação à ditadura militar.
A “nova direita” são as siglas surgidas desde 2005, como PRB, PSD, PEN (atual Patriota), PROS, Solidariedade, Novo e PMB.
No meio do caminho, há uma direita um pouco mais antiga, surgida sobretudo nos anos 1980 e 1990, e que pode ser mais bem definida como sendo fisiológica por natureza.
Contempla siglas como PTB, PL, PSC, PSL, PT do B (atual Avante), PSDC, PRTB e PTN (hoje Podemos). Não por acaso, muitas são identificadas com o chamado “centrão”.
O artigo, com o título “Quem ganhou o lugar pegou de quem?”, tenta explicar quais forças a nova direita teve de desalojar para encaixar-se no cenário político, um pouco como aquele passageiro atrasado que causa confusão ao tentar sentar na janelinha.
A conclusão dos autores é que a direita mais antiga e as legendas de centro, como PSDB e MDB, são as que mais sofrem. O PRB, partido ligado à Igreja Universal do Reino de Deus, elegeu 49,3% de seus prefeitos em 2012 em cidades que eram controladas pela direita e pelo centro. Em 2016, esse percentual ficou em 50,1% .
O PSD, nascido de uma dissidência do DEM montada pelo ex-prefeito paulistano Gilberto Kassab, roubou 70,1% das prefeituras que eram da direita ou do centro em 2012, ano de sua primeira eleição.
Mais impressionante, a nova direita acabou engolindo a direita tradicional em diversas ocasiões, abocanhando a cabeça de chapa em coligações de perfil mais conservador.
Houve uma espécie de simbiose, com a nova direita liderando e a tradicional dando seu apoio, como que chancelando a força política recém-surgida.
“As novas legendas de direita não adotaram como estratégia eleitoral predominante o ato de se coligar com a direita tradicional; no entanto, quando houve tal aliança os resultados foram frutíferos, veja-se o pleito de 2016”, diz o estudo.
Em 2016, os novos partidos de direita se coligaram com a direita tradicional em 557 das 2.165 disputas em que foram cabeças de chapa. Desse número total de coligações, 276 (49,6%) foram vitoriosas.
No caso das disputas em que os novos partidos não estiveram coligados com DEM ou PP , foram 424 vitórias (26,4% do total).
Isso nos leva à pergunta de fundo: por que, afinal, a tal nova direita cresceu tanto? Aqui, os autores apresentam algumas razões.
A primeira é como resultado da onda de descrença com a política, um processo que se iniciou com as manifestações de 2013 e intensificou-se com a Lava Jato e o impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT).
“A recente perda de projeção, bem como o esvaziamento, de partidos centrais e atuantes no sistema político da nova democracia deve-se também a um contexto político de crise institucional que caracterizou a política brasileira da última década e que teve os escândalos de corrupção como o principal gatilho para a desconexão entre os partidos e a sociedade”, diz o texto.
Além disso, houve mudanças legais que facilitaram o surgimento de novos partidos, como a permissão para que parlamentares mantenham seus mandatos caso migrem para uma legenda recém-criada.
Restrições ao financiamento privado e a criação do fundo eleitoral público também favoreceram o aparecimento de partidos que pregam gestão em moldes empresariais, cujo exemplo mais eloquente é o Novo.
“A mudança na regra de financiamento nas eleições municipais produziu empreendedores na política com perfil tipológico de business-party”, dizem os autores.
O que acontece daqui para a frente é difícil dizer. A grande pergunta é quanto do surgimento da nova direita se deve ao deslocamento do eixo político de forma permanente para um polo mais conservador, e quanto é derivado de fatores circunstanciais.
Em outras palavras, só saberemos se esse fenômeno veio para ficar caso mantenha sua vitalidade muito depois que o fenômeno Jair Bolsonaro tiver saído de cena.