Esportes eletrônicos viram nova fronteira para os liberais

O ato de jogar videogame há muito deixou de ser apenas uma treta de Mario e Bowser pelo coração da Princesa Peach.

Hoje é uma indústria “adulta”, com participação importante na economia e status de esporte profissional. Não vai demorar para virar modalidade olímpica.

O próximo passo dessa impressionante metamorfose dos chamados eSports é tornar-se mais um item da disputa ideológica entre liberais, conservadores e estatistas.

Um dos principais grupos liberais do país, o Livres, acaba de criar um grupo setorial específico para debater os esportes eletrônicos. Seu coordenador é o cientista social carioca Bruno Holanda, 31.

“Esse mercado não é brincadeira, não é joguinho, pode crescer muito no Brasil”, diz ele, que é praticante de Counter Strike, um jogo de tiros que coloca frente a frente equipes de terroristas e contraterroristas.

É um mundo ainda relativamente novo e sem muitas regras, que, também na vida real, vem sofrendo um contragolpe.

No final do ano passado, algumas iniciativas surgiram na Câmara dos Deputados para tentar regulamentar os eSports.

Um dos defensores dessas iniciativas é o deputado federal Coronel Chrisóstomo (PSL-RO). Ele é o criador da Frente Parlamentar em Prol dos Jogos Eletrônicos e Games, que surgiu em novembro do ano passado e reúne 201 deputados.

“Com a regulamentação, pode-se dar oportunidade para que os atletas tenham uma legislação, estimulando a cidadania, levando os jogadores e se entenderem como adversários e não como inimigos”, escreveu ele em documento interno da Câmara.

Para Holanda, a interferência estatal seria dar game over na energia criativa e no potencial dos jogos eletrônicos.

“Deus queira que essas ideias de regulamentação não passem. É como fazer regulação sobre a vida e a opção sexual das pessoas”, afirma.

Ele não concorda com o principal argumento frequentemente apresentado pelos que defendem algum tipo de controle: o de que jogos estimulariam o vício e a agressividade, sobretudo nos mais jovens.

“A gente tem algum dado científico que comprove essa relação? Se não tiver, fica na base do achismo. Ao contrário, há um extravasamento da agressividade no próprio jogo, como acontece nos esportes de luta, de contato”.

O setorial de eSports do Livres tem por enquanto 38 participantes, e o mesmo status dentro da entidade de outros que discutem questões como racismo, agronegócio e pauta LGBT.

Liberalismo e games, afirma Holanda, têm tudo a ver. “São jogos que se organizam com base na liberdade de associação, com clãs e times, que as pessoas vão formando”. Há também embutido, diz ele, o conceito da liberdade com responsabilidade, tão precioso para os liberais.

Além disso, cria-se uma espécie de economia própria entre os participantes. Isso se manifesta, por exemplo no mercado de “skins”, literalmente “peles”, que são acessórios que mudam o visual de um herói, seus poderes e até o enredo dos jogos.

Novos “skins” são criados o tempo todo e muito disputados por jogadores profissionais e amadores. “As pessoas vendem, compram e até fazem escambo, sem ninguém interferir”, diz Holanda.

Além de Counter Strike, outros jogos populares são games de batalhas como League of Legends (ou LoL), Fortnite e Free Fire, além de simulações de futebol da franquia Fifa Electronic Arts.

Todos têm jogadores profissionais, que integram equipes patrocinadas, por exemplo, por times de futebol como Corinthians, Flamengo e São Paulo. Finais de campeonatos costumam ocorrer em arenas lotadas, e o Brasil tem se destacado em algumas competições internacionais.

Tudo isso, afirma Holanda, mostra a importância de se estimular a chamada “indústria criativa”, que reúne jogadores, desenvolvedores de software, profissionais de marketing e fornecedores de equipamentos especializados, que vão desde telas de alta resolução até cadeiras especiais para um melhor desempenho.

“Seria inteligente termos a nossa indústria local”, diz ele, que está se candidatando a vereador no Rio de Janeiro pelo Cidadania com essa plataforma.

Globalmente, é uma indústria de cerca de US$ 1,5 bilhão anual. No Brasil, estima-se que haja 20 milhões de praticantes ou entusiastas dos eSports.

Holanda dá o exemplo de dois amigos seus que têm uma pequena empresa especializada na venda de “skins” e chegam a faturar até R$ 6.000 num mês.

Um entusiasta do setor é o presidente Jair Bolsonaro, que já se deixou filmar jogando games e prometeu medidas para estimular o setor.

Seu filho “Zero 4”, Jair Renan, 22, é um aficionado por jogos, e recentemente reuniu-se com o secretário especial de Cultura, Mário Frias, para discutir o fomento ao setor.

Para Holanda, a abordagem do presidente e de seu clã é equivocada. “Tenho um pouco de receio quando o governo fala de fomentar setores. Gosto quando isso acontece de forma orgânica”, diz.

Como liberal, ele torce o nariz para qualquer coisa que cheire a política industrial ou subsídios estatais.

O desenvolvimento dos eSports no Brasil, afirma, virá naturalmente, e deve reduzir aos poucos o principal gargalo atual, que é o alto preço dos equipamentos e acessórios, a maioria importados da China.

Uma certeza é que o setor seguirá crescendo em ritmo acelerado, cada vez menos parecido com brincadeira de criança.