Minas inclui autores liberais em currículo de escolas estaduais

Pensadores liberais, que defendem a primazia do indivíduo e são céticos quanto ao coletivismo e à intervenção estatal, foram incluídos no currículo de escolas estaduais de Minas Gerais neste período de pandemia.

A decisão foi adotada pelo governo de Romeu Zema, pertencente ao Novo, um partido de orientação liberal. Cerca de 382 mil alunos do ensino médio estão tendo contato com autores que raramente aparecem na sala de aula, no que está sendo considerado um marco por entusiastas do liberalismo no Brasil.

“O ensino público no Brasil sempre privilegiou autores de visão marxista”, diz Luiz Orione, professor da rede estadual de filosofia em Minas Gerais e um dos autores da iniciativa.

Liberal, ele levou a ideia de incluir autores desse vertente ideológica à Secretaria de Educação no começo da pandemia.

Com as aulas presenciais suspensas, o governo de Minas elaborou apostilas digitais para o ensino à distância, em diversas disciplinas. Na área de filosofia, houve uma consulta a diversos professores, e daí veio a ideia de contemplar o pensamento liberal.

“O próprio conceito de filosofia prevê a ideia do contraditório. Não queremos substituir um monopólio por outro. Vamos ter autores estatistas e socialistas, mas vamos dar também a outra visão”, afirma Orione.

Os primeiros dois autores incluídos no currículo foram Ayn Rand, para o segundo ano do ensino médio, e Frédéric Bastiat para o terceiro.

Rand (1905-82), americana de origem russa, é uma das mais populares ensaístas e romancistas do universo liberal. Sua obra mais conhecida é “A Revolta de Atlas”, de 1957, em que faz uma defesa da razão e do poder das escolhas individuais sobre a opressão estatal.

Por essa razão, ela é uma das principais referências de libertários, corrente de liberais extremados que questionam a própria necessidade de existência do Estado.

Na apostila do governo mineiro, a obra da autora é descrita assim: “Suas frases são potentes e suas ideias são focadas no indivíduo enquanto motivação e motor de si mesmo, portanto, dotado da racionalidade e do livre-arbítrio para usá-la em suas ações”.

Já o francês Bastiat (1801-50) entrou no material do terceiro ano. Autor de “A Lei”, ele defende que toda a legislação tenha como base a proteção da vida, do indivíduo e da propriedade privada. Foi um dos primeiros autores a fazer um contraponto ao nascente movimento socialista do século 19.

“Em Bastiat, tem-se a clara preocupação de que o Estado não estenda a sua atuação para além dos direitos de cada um, visto que, para o autor, a lei se torna pervertida ao assumir postura tirana, um terror que ela mesma deveria combater”, afirma a apostila distribuída aos estudantes.

Os autores liberais são apresentados no material em contraposição a pensadores mais identificados com as ideias de esquerda. No caso de Rand, ao filósofo francês Jean-Paul Sartre (1905-80), conhecido como pai do existencialismo. Já Bastiat é apresentado como alternativa ao britânico Thomas Hobbes (1588-1679), teórico do Estado forte, o Leviatã.

Segundo Dennys Xavier, professor de filosofia da Universidade Federal de Uberlândia e coordenador dos cursos do Instituto Mises Brasil, Rand e Bastiat são duas escolhas perfeitas para a faixa etária do ensino médio.

“Rand é uma best-seller, tem um discurso muito intenso, sem filtro, que causa impacto. Já Bastiat é defensor de direitos naturais do indivíduo, vida, liberdade e propriedade, que é a tríade do pensamento liberal. Tem grande capacidade de comunicação”, afirma.

Uma reclamação constante de liberais, conservadores e direitistas em geral é que o meio acadêmico é enviesado por professores e currículos de esquerda, o que perpetua uma suposta dominação cultural de ideias marxistas.

De acordo com Xavier, houve algum debate entre os formuladores da iniciativa sobre os riscos de deixar professores esquerdistas ensinarem ícones liberais, o que poderia gerar distorções na transmissão de suas ideias. “Isso pode ser um eventual efeito colateral pontual, mas ou é avançar assim, ou ficar do jeito que está”, afirma.

Em nota, a Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais afirmou que “o pluralismo de ideias é essencial para se formar cidadãos com visão ampla e crítica e que o conhecimento se constitui também a partir da troca de experiências”.

Segundo a secretaria, o objetivo da adoção de autores liberais é “proporcionar o debate e a dialética em todas as áreas do conhecimento, ampliando, com isso, a pluralidade de saberes, sujeitos e concepções na prática pedagógica”.

Os liberais esperam que a adoção de autores afinados a suas ideias continue após a pandemia, quando as aulas presenciais voltarem. Por enquanto, não há decisão do governo de Minas sobre isso.

Mas a semente já foi plantada, afirma Xavier. “Hoje os alunos aprendem sempre as mesmas coisas. Não queremos tirar os autores já contemplados, queremos que os meninos possam pensar para além deles”, diz.