Desmonte de equipe mostra fracasso de Guedes em domar ‘Leviatã’

A saída de dois secretários do Ministério da Economia tem significados que vão além de uma “debandada”, como admitiu o ministro Paulo Guedes.

Salim Mattar (Desestatização) e Paulo Uebel (Desburocratização) não são nomes quaisquer, mas autoridades responsáveis pelas duas áreas que basicamente definem o que é o Estado mínimo.

Mattar cuidava da redução do Leviatã, como gosta de definir o próprio Guedes, e Uebel tratava de livrar o empreendedor brasileiro das amarras oficiais.  Sem mudanças nessas duas áreas, o que sobra é a social-democracia que o ministro tanto detesta.

Ambos têm peso simbólico por suas biografias: Mattar veio do setor privado (é dono da Localiza), e Uebel é egresso do Instituto de Estudos Empresariais, influente centro gaúcho de formação de líderes liberais, que presidiu.

Uebel, aliás, formou uma equipe de perfil jovem e agressivo em seu liberalismo, que deu uma das únicas contribuições reais do atual governo para a causa, a Lei da Liberdade Econômica.

Não é à toa que a reação imediata à saída dos secretários foi de decretar a morte do casamento conservador-liberal que elegeu Jair Bolsonaro, ainda mais porque a debandada ocorreu apenas horas após outro expoente liberal, o engenheiro Helio Beltrão, ter desancado o neoestatismo de Guedes em sua coluna na Folha.

Guedes ainda segue no cargo e pode remontar sua equipe com novos nomes de perfil igual aos que saíram, o que torna apressadas conclusões de que o fim da experiência liberal de Bolsonaro é irreversível.

Mas é tentador fazer a brincadeira do expectativa vs realidade sobre a gestão do ministro, comparando os projetos grandiosos que anunciava na campanha e o que conseguiu cumprir.

Em fevereiro de 2018, quando era apenas “o economista de Bolsonaro” e a vitória do capitão ainda era vista com extremo descrédito, Guedes deu uma de suas primeiras entrevistas de fôlego anunciando suas ideias.

Na sede do banco Bozano Investimentos, no Leblon (Rio), onde ocupava o cargo de CEO, não economizou na grandiloquência em duas horas de uma conversa em que não parava de falar.

Prometeu um governo menor, dizendo que o país era “paraíso dos rentistas e inferno dos empreendedores”. “O governo é muito grande, bebe muito combustível”, afirmou.

Fez também pregação de fé sobre um amplo programa de privatizações, que tocaria até em vacas sagradas.

“Se privatizar tudo, você zera a dívida, tem muito recurso para saúde e educação. Ah, mas eu não quero privatizar tudo. Privatiza metade, então. Já baixa metade da dívida”, disse.

Questionado se havia clima político para isso, devolveu a pergunta. “É o contrário: tem clima para não privatizar? Você vê clima para continuar com as estatais? Por que não pode vender o Correio? Por que não pode vender a Petrobras?”

Afirmou ainda que o Brasil deveria ter 10 ministérios, embora Bolsonaro quisesse 15 (hoje, são 23). E  anunciou uma reforma tributária inspirada na Inconfidência Mineira.

“A Inconfidência Mineira ocorreu quando os impostos chegaram a 20%. Eu acho que nenhuma alíquota no Brasil podia ser mais de 20%”.

Dois anos e meio, os atrasos na trinca privatização-desoneração-desregulamentação emparedaram Guedes. O Leviatã está sendo osso duro do roer.