Ser trans e liberal é sofrer preconceito duplamente, diz ativista LGBT
A arquiteta Mariana Valentim, 47, moradora de Brasília, é uma transexual adepta da ideologia liberal. E como tal, diz ela, vítima de um duplo preconceito.
Primeiro, por sua condição sexual. Segundo, por não se enquadrar na militância de esquerda, que hoje domina a maioria dos movimentos identitários no país.
“Hoje, se você quer ser de um movimento LGBT, se que quer ter uma atuação política, tem que se filiar a um partido de esquerda”, afirma ela.
Essa situação, diz, acaba gerando situações esdrúxulas, caso um gay, lésbica, bissexual ou trans tenha uma rejeição ideológica à esquerda.
“Muitos acabam procurando outra opção política, ainda que seja de votar numa pessoa homofóbica como o Bolsonaro”, afirma.
Para oferecer uma alternativa a esse público, ela integra o recém-criado setorial LGBTI+ do movimento liberal Livres, que já reúne cerca de 50 pessoas.
“Acreditamos que a opressão, ainda que se dê em conjunto, tem seu cerne a nível individual, definida pelo tolhimento da liberdade individual”, diz o manifesto do grupo, lançado em fevereiro.
Segundo Valentim, a apropriação do tema pela esquerda nas últimas décadas decorreu da ausência de um movimento liberal forte no Brasil.
“Não há nada intrinsicamente de esquerda na defesa de minorias. Historicamente, quem foi em defesa dos negros e das pautas femininas, desde o século 18, foram os liberais. Nunca foi uma pauta marxista. Os partidos de esquerda a adotaram porque os liberais eram inexistentes”, afirma ela, que é ex-militante de esquerda.
A principal diferença de uma atitude liberal no tema, diz, é a defesa incondicional da individualidade, que se traduz no direito absoluto sobre o corpo. Ela dá o exemplo da diferença de atitude sobre a prostituição.
“Nós, liberais, defendemos a liberdade como premissa máxima, sobretudo a liberdade quanto a meu corpo. Alguns movimentos de esquerda são contra a prostituição. Mas os liberais acham que se você usa seu corpo de maneira responsável, sem coerção, não há por que ser contra”, diz.
O problema é que no Brasil, em muitos casos, a prostituição é praticada em um contexto repressivo e acaba sendo a única alternativa de trabalho para parte desses grupos, sobretudo os trans.
Para mudar isso, o setorial do Livres propõe levantar a bandeira do empreendedorismo, num primeiro momento procurando empresas para que tenham uma atitude sem preconceito na hora de contratar.
“A maior parte das pessoas trans, por exemplo, está fora do mercado formal. Mais ou menos 90% estão em subemprego e prostituição. Mas não basta uma empresa aceitar contratar, é preciso que criem um ambiente em que as pessoas não sintam preconceito ao trabalhar”, diz.
A princípio, o grupo rejeita a criação de cotas, mas diz estar aberto à defesa de mecanismos no estilo da Carteira Verde e Amarela, criada pelo governo Bolsonaro para incentiva a contratação de jovens. “Mas ainda não há uma definição sobre isso de nossa parte, estamos debatendo. É um assunto muito delicado”, afirma.
Valentim é também integrante de outro movimento liberal, o Lola (Ladies of Liberty Alliance), que reúne mulheres, além de ser filiada ao Cidadania no Distrito Federal.
Ela afirma que houve progressos inegáveis nos últimos anos da causa LGBT, como a possibilidade automática de uso do nome social em documentos. “Antes, era preciso de um laudo médico e da decisão de um juiz. Agora, basta requerer num cartório. É um grande avanço”.
Mais recentemente, houve a decisão do Supremo Tribunal Federal que acabou com o veto à doação de sangue por gays, ponto que teve a defesa do movimento Livres.
Apesar disso tudo, contudo, o preconceito sofrido pela comunidade LGBT continua grande, afirma Valentim, inclusive no movimento liberal.
“Ainda é um movimento dominado por homens brancos, cisgêneros”, diz ela, que se assumiu trans há cerca de oito anos.