Acadêmicos tentam desvendar extrema direita no Brasil e no mundo

Quantos tons tem a direita? Quando ela se torna extrema? Faz diferença chamá-la de radical?

A ascensão do pensamento destro trouxe para o centro do palco político uma discussão que sempre esteve restrita à academia.

Afinal, a direita no Brasil sempre se esforçou em projetar uma imagem de moderação, com exceções pontuais como o movimento integralista na década de 1930, e o surgimento do nanico Prona, do dr. Enéas.

Mesmo a Arena, que dava sustentação à ditadura, era um guarda-chuva de caciques regionais, liberais econômicos e apenas um punhado de autênticos conservadores.

Um esforço para entender o radicalismo direitista no Brasil está surgindo a partir da iniciativa de alguns acadêmicos que se uniram no Observatório da Extrema Direita.

Formalmente vinculado à Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), o Observatório tem como objetivo “analisar ideias, movimentos, partidos e lideranças da extrema direita”, como define seu perfil no Twitter.

“Queremos criar uma rede multidisciplinar com historiadores, internacionalistas, economistas e outros especialistas para formar uma espécie de ‘hub’ para a sociedade civil”, diz David Magalhães, professor de Relações Internacionais da PUC-SP e da Faap, parte do trio que concebeu a ideia.

Os outros dois cofundadores são Guilherme Casarões, professor de Relações Internacionais da FGV-SP, e Odilon Caldeira Neto, professor de História Contemporânea na UFJF. Ao todo, 13 professores ou pesquisadores estão envolvidos no projeto.

A primeira questão que o grupo debateu é a própria caracterização do que eles pretendem estudar. A definição de extrema direita é controversa.

A Folha mesmo só a utiliza para rotular movimentos que defendem explicitamente o recurso à violência, e por isso o presidente Jair Bolsonaro não se enquadra na definição, segundo os critérios do jornal.

Os integrantes do Observatório, em geral, concordam com essa visão.

“A extrema direita, ou ultradireita, busca subverter a ordem democrática. Aí estão, por exemplo, neonazistas, integralistas, intervencionistas militares”, diz Casarões.

Já os grupos que não afrontam diretamente as instituições, embora sejam xenófobos, ultranacionalistas e com pendor autoritário, são chamados de direta radical. É aí que aparece Bolsonaro.

Claro que o presidente, como não se cansa de demonstrar, gosta de flertar com extremistas, e nem sempre as fronteiras entre um e outro tipo de direita são facilmente identificáveis. “Bolsonaro é um agente político com ligações evidentes com a extrema direita”, declara Caldeira Neto.

“Às vezes a agenda de Bolsonaro atrai grupos fascistas ou neointegralistas”, completa Magalhães.

Mas ainda falta, na avaliação do grupo, o passo a mais de desrespeito à ordem constitucional que levaria o presidente a poder ser chamado sem cautela de um legítimo membro da extrema direita.

Em termos práticos, o Observatório quer discutir a perspectiva da direita extrema, e da direita radical, sobre os mais variados assuntos: da resposta à Covid-19 a questões sobre a sexualidade.

“A ideia é formar pesquisadores. Até as décadas de 60 e 70, o objeto predominante do campo político era a esquerda. Estudar a direita era algo problemático. Estamos pensando a historicidade e a atualidade, entender a história e as novidades da extrema direita”, afirma Caldeira Neto.

O Observatório está credenciado como grupo de pesquisa do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).

Para Casarões, outra dificuldade é a falta de estudos comparativos na ciência política brasileira, e não apenas com relação à direita.

“Existe um defeito de origem da área da ciência política. A ciência política só estuda Brasil, há dificuldade de um estudo comparado”, afirma. Por isso, a ideia é analisar a extrema direita de forma ampla no cenário internacional.

Aos poucos, a academia está se movimentando. Como mostrei na semana passada, outro projeto surgido na PUC-SP tenta analisar as semelhanças entre o bolsonarismo e o fascismo. 

Se a direita continuar dando as cartas no país, é de se esperar que outras iniciativas semelhantes se multipliquem, para tentarmos entender como e por que chegamos até aqui.