Bolsonaro não faz governo liberal, diz podcaster que defende fim do Estado

Em outubro de 2018, às portas da eleição de Jair Bolsonaro, os gaúchos Paulo Fuchs, 32, e Julio dos Santos, 34, criaram um podcast destinado ao “microcosmo do microcosmo”: os liberais, desde os clássicos até os anarcocapitalistas, que defendem simplesmente o fim do Estado.

Nascia o Tapa da Mão Invisível, num momento em que os liberais sentiam que sua hora havia finalmente chegado.

Bolsonaro, afinal, trazia como seu braço-direito o economista Paulo Guedes, egresso da Escola de Chicago, meca dessa corrente ideológica.

Muitos liberais já tinham um pé atrás com Bolsonaro, mas do outro lado estava o PT. A maioria não teve dúvida e votou no capitão.

O Tapa foi parte da efervescência que gerou dezenas de grupos liberais, canais de YouTube e centros de estudos dedicados a essa vertente nos últimos anos.

Menos de dois anos depois, a agenda liberal de Guedes está em frangalhos e o governo que o hospeda tem o autoritarismo e a confusão como marcas. O impacto que a vinculação a Bolsonaro terá para o liberalismo ainda está por ser medido.

“A nossa proposta não é alienar ninguém da direita. A gente não está muito preocupado em agradar determinado publico.  Nossa filosofia é libertária, mas os nossos entrevistados não precisam ser”, diz Fuchs, formado em Economia pela PUC-RS, curso que, segundo ele diz ironicamente, tinha duas opções: marxismo e marxismo com keynesianismo.

Discussões sobre o peso do Estado e o poder do indivíduo passavam longe do ambiente acadêmico, afirma Fuchs, hoje empresário em Porto Alegre.

Semanalmente, ele e seu colega Julio, formado em administração pela PUC-RS e executivo do mercado financeiro morando em Brasília, fazem debates e entrevistas que duram cerca de uma hora.

“Nossa ideia não é discutir a pauta do dia a dia, e sim as ideias que permeiam de fora geral o debate. Queremos aprofundar conceitos da liberdade”, diz Fuchs.

Os temas podem incluir economia, filosofia, teologia, sexualidade e outros, sempre da perspectiva liberal, ou seja, da liberdade e do direito individuais.

Como convém nesse universo, o tom do podcast é informal e provocador. Aqui está a lista de todos os episódios.

Os últimos tempos têm sido difíceis para liberais, e não apenas no Brasil.

A resposta dada por governos internacionalmente ao coronavírus tem sido reforçar o peso do Estado, por meio de liberação de dinheiro, crédito e financiamento, além de jogar para cima os limites de endividamento e apertar o botão de pausa na austeridade fiscal.

Mais uma vez, parece que se confirmar a frase “na crise, somos todos keynesianos”, atribuída ao economista Milton Friedman (keynesianismo é sinônimo de ação do Estado para resgatar a economia).

Por aqui, ainda há a crise política e as seguidas rasteiras que o presidente passa em seu ministro, como a criação de um plano de obras que não faria feio num governo do PT.

Para Fuchs, tudo isso prova que o governo Bolsonaro não é liberal.

“O governo Bolsonaro propiciou um atalho para muitas das coisas que os liberais queriam fazer no Brasil, sobretudo na parte econômica. Mas isso não o torna um governo liberal, e sim um governo com elementos liberais”, afirma.

Libertários e anarcocapitalistas, como são os podcasters gaúchos, definem-se como liberais por inteiro, o que inclui questões comportamentais, como consumo de drogas.

“A gente sempre tem dito que melhor ter liberal lá dentro [do governo] do que não ter. Mas liberalismo tem que ser por inteiro.  Se você é um liberal só a economia e não no resto, você é um conservador”, afirma Fuchs.

O Tapa da Mão Invisível é parte de uma pequena família de podcasts liberais, que inclui iniciativas semelhantes do Instituto Mises Brasil e do grupo Livres, por exemplo.

Em breve, o podcast deve ser também transmitido  pelo YouTube, onde se juntará a alguns canais liberais já consagrados, como o Ideias Radicais, um fenômeno de audiência.

Quanto ao combate ao coronavírus, Fuchs concorda que é normal, neste momento, governos mobilizarem todos os esforços.

Mas diz que a crise mostra a imperfeição dos modelos que ele chama de “intervencionistas”, ou seja, com a presença pesada do Estado.

“Essa noção de que os ungidos lá de cima vão decidir o que é melhor para sociedade é um fracasso retumbante. É um sistema de hospitais públicos, funcionalismo com salários elevados, desperdício, engessamento.”

O modelo que ele advoga é de foco total na iniciativa privada, que proveria 100% dos serviços não apenas na saúde, mas em todas as funções de Estado.

Por enquanto, diz ele, as ambições são mais modestas. “Se tivermos 10% da população defendendo com força o liberalismo, já é suficiente para termos massa crítica para mudar muita coisa”, diz.

“Sou contra o Estado, mas sou gradualista”, completa.