Plano liberal prevê reduzir salário de servidor para financiar afetados por corona
“Somos todos keynesianos agora” é uma frase atribuída a um dos economistas símbolos do liberalismo no século 20, Milton Friedman (1912-2006).
Ele estava ironizando as medidas intervencionistas decretadas pelo então presidente americano Richard Nixon, no início dos anos 1970, mas a blague ganhou vida própria.
Significa que liberalismo e Estado mínimo são ótimos até que os mercados desabem. Daí chovem pedidos de socorro a governos e Bancos Centrais, num eco das políticas defendidas nos anos 1930 pelo britânico John Maynard Keynes (1883-1946) contra a Grande Depressão.
Mas é possível dar uma resposta mais liberal à crise, ainda que aceitando o papel do Estado?
Aqui e ali, têm surgido soluções para debelar o cenário tenebroso que se apresenta em razão do coronavírus.
A principal é um projeto já aprovado pela Câmara dos Deputados que prevê a concessão de vouchers no valor de R$ 600 para trabalhadores informais durante três meses.
Outra ideia nessa linha veio do economista Matheus Hector Garcia, formado pelo Insper. Num estudo divulgado nesta semana com o nome “Plano Corona Marshall”, ele propõe uma receita para expandir a assistência social às pessoas que perderão renda neste momento.
A diferença para o plano do governo é que preservaria o controle das contas públicas, com impacto fiscal zero. Aqui está a íntegra.
A referência do nome é o Plano Marshall, o pacote de resgate do governo americano para a Europa após a Segunda Guerra Mundial.
O cerne do projeto é criar um programa de renda básica custeado por uma contribuição temporária sobre as folhas de pagamento de servidores da União, estados, municípios.
O grupo mais vulnerável, mostra o estudo, é justamente o dos trabalhadores informais, que não têm nenhum sistema de proteção social.
São cerca de 55 milhões de adultos fora do cadastro formal de empregos, segundo dados da Pnad Contínua, do IBGE.
“Torna-se urgente a elaboração de um programa de renda básica que os ampare durante a crise”, afirma o estudo. A proposta é conceder um benefício mensal a cada uma das pessoas nesse grupo vulnerável.
Hector traçou dois cenários. Se o valor for de R$ 200, o custo em 2020 é de R$ 88 bilhões. Se for de R$ 300, será de R$ 136 bilhões.
É muito dinheiro, sem dúvida, mas o economista diz que pode ser financiado tirando um pouco de quem ganha bem. No caso, a elite do serviço público. Apenas com salários dos servidores da União, o gasto no ano será de R$ 350 bilhões.
“A rigidez do Orçamento público brasileiro impossibilitou que nos últimos anos fizéssemos um ajuste fiscal mais robusto no curto prazo. Porém, em um momento de crise como este, é extremamente necessário revermos estes paradigmas”, afirma o estudo.
O financiamento proposto seria feito por um corte de 30% no salário líquido de servidores federais, estaduais e municipais.
Haveria duas ressalvas: nenhum servidor poderia ganhar menos de um salário mínimo, e os das áreas de segurança e saúde seriam excluídos do plano. “Esta não é uma proposta de austeridade fiscal, mas de austeridade social”, diz o documento.
Se apenas os servidores federais entrassem na conta, a arrecadação mensal seria de R$ 2,49 bilhões. Se todos participassem, o valor subiria para R$ 8,32 bilhões.
A proposta combina duas ideias de cunho liberal: a diminuição do tamanho do setor público e o incremento a programas de renda básica.
Apesar de no Brasil esses programas terem ficado associados aos governos do PT, eram defendidos inclusive pelo próprio Friedman como uma forma de as pessoas se livrarem da tutela do Estado e terem mais controle sobre seus gastos.
No papel, a conta é simples. A realidade, claro, é mais complexa.
Seria necessário em primeiro lugar aprovar uma medida legislativa prevendo essa redução salarial, e o lobby dos servidores públicos é dos mais aguerridos.
Por enquanto, nenhuma liderança política ousou mexer nesse vespeiro.