Bolsonaro cometeu crime de responsabilidade ao menos 4 vezes, diz advogado
O presidente Jair Bolsonaro já pode ser enquadrado em quatro pontos por crime de responsabilidade e, assim, sofrer um processo de impeachment.
É a opinião do advogado e professor universitário Tiago Pavinatto, em artigo que o blog publica aqui.
Pavinatto é ligado ao MBL (Movimento Brasil Livre), mas sua opinião é individual, sem chancela formal da entidade.
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Dacovid e o gigante Messias
Por Tiago Pavinatto*
Patriotas reuniram suas tropas para a guerra e dividiram o país: patriotas nas ruas e traidores da pátria em casa.
Um gigante guerreiro chamado Messias veio do acampamento dos patriotas. Não tinha nada na cabeça e vestia casaca, faixa e condecorações.
Tendo como lança a sua língua, Messias gritou: “Por que vocês não saem em conjunto para o campo de batalha? Vocês são escravos da histeria. Já levei duros golpes e, pelo meu histórico de atleta, nada pode me derrubar.”
Enquanto tagarelava, veio do oriente o jovem Dacovid. Sem ser visto e sem armas de fogo, derrubou o gigante Messias.
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Considerado louco, o médico húngaro Ignaz Semmelweis foi jogado em um manicômio em 1865 e brutalmente morto pelos guardas. Sua loucura: sem argumentos científicos para comprovar a teoria microbiana, defendeu o procedimento de lavar as mãos com água e hipoclorito de cálcio nos hospitais (o que reduziria a 1% o risco de morte pós-parto).
Em França, seis anos depois, o químico Louis Pasteur passou a defender que todo instrumental utilizado em procedimentos médicos fosse fervido. Antes que o internassem, logrou êxito na comprovação da existência dos “seres invisíveis”.
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No dia 25 de agosto de 1961, Jânio Quadros renunciou à Presidência do Brasil afirmando ser vítima de “forças ocultas” (anos mais tarde, disse que as forças eram “terríveis”).
Hoje, o coronavírus, covid-19, protagoniza pandemia letal que aterroriza o globo. Sendo esse inimigo da humanidade invisível (talvez por isso menosprezado, relativizado e até negado por abjetos e imbecis), tem total physique du rôle para ocupar o lugar das “forças ocultas” de Jânio.
Todavia, no cenário atual, essa terrível força invisível pode ser causa de queda, e não de renúncia, do presidente (um moralista tão fajuto quanto o predecessor).
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O presidente pode sofrer impeachment quando comete crime de responsabilidade, que não necessariamente encerra as finanças da União, ou seja, não requer corrupção econômica por desvios, camuflagens ou propinas, podendo se apresentar como corrupção de um dever absolutamente imaterial, como um atentado, um único somente, contra direitos políticos, individuais ou coletivos.
Das sete hipóteses especiais (e ficamos nas hipóteses especiais, pois, se por crime de responsabilidade temos qualquer atentado contra a Constituição, precisaríamos de um tratado para analisar a relação do atual mandatário com a Lei Maior brasileira) destacadas no artigo 85 da Constituição (que recepcionou o conteúdo da Lei nº 1.079/1950, a Lei do Impeachment, na maior parte), em razão da terrível força invisível, Bolsonaro já incorreu em quatro: atentou contra (i) o livre exercício do Poder Legislativo e do Judiciário (inciso II); (ii) direito individual e social (inciso III); (iii) a segurança interna do país (inciso IV); e (iv) a probidade na administração (inciso V).
(i) Fato indelével e incontestável, o Presidente endossou, convocou e encorajou aglomerações públicas em todo o país em meio a uma pandemia fatal.
As manifestações, além da demonstração de apoio fanático ao presidente, deram-se contra a permanência dos outros Poderes da União (e Bolsonaro apoiou os presentes, deixando-se fotografar com um sorriso sincero no rosto e os polegares em riste diante de cartazes clamando pelo AI-5 e pelo fechamento do Congresso e do STF).
Houve, mínima e inegavelmente, clara ameaça ao exercício do livre voto parlamentar e judicial para que se conformem aos desígnios presidenciais. O presidente atuou para coagir parlamentares e ministros do Supremo Tribunal Federal no modo de exercerem os seus mandatos.
(ii) Conhecida a pandemia mundial, a colaboração presidencial com essas manifestações (da qual participou distribuindo perdigotos mesmo sob conhecida suspeita de infecção pelo covid-19) configura afronta a direito individual e social.
Ele atentou contra o direito constitucional à saúde (CF, art. 196), um direito subjetivo público com dimensão social e individual que é direito de todos, sendo dever do Estado, ao qual respondem solidariamente União, estados, municípios e Distrito Federal, garanti-lo mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e outros agravos.
Não bastasse criar condições para uma mega contaminação, Bolsonaro continua a atentar contra a saúde das pessoas com quem convive, pois esconde (e o faz porque mente) o resultado de seus exames, e de todo o povo brasileiro ao alardear que medidas preventivas são histeria, quando menospreza o vírus e o trata como “gripezinha”, bem como ao incentivar cultos religiosos a despeito da contaminação de milhares de pessoas nas igrejas da Coreia do Sul.
Há quem defenda, ainda, caso algum próximo seu ou qualquer do povo que nele acredite venha a óbito, que o presidente responda, além do crime de responsabilidade que leva ao impeachment, pelo crime de homicídio doloso que leva à prisão.
(iii) Na esteira das hipóteses anteriores, se segurança é o estado de liberdade dos riscos e do mal, a segurança interna do país também significa o estado de liberdade do risco e dos danos à integridade física e emocional de todo o povo.
Logo, num cenário de pandemia, colocar o povo em aglomerações e desinformá-lo é atentar contra a segurança interna do país.
(iv) Por fim, quando Bolsonaro chama o vírus de uma pneumonia letal de “gripezinha”, trata medidas preventivas adotadas mundialmente como histeria e diz que tudo se trata de uma grande enganação dos governadores adversários e da imprensa detratora, convidando o país para o fim do isolamento, além de revelar traços de demência, ele mente… e mente, inclusive, sobre o resultado do próprio exame para coronavírus (o que tenta acobertar através de vergonhosa restrição à Lei de Acesso à Informação); e não é dado ao presidente o direito de mentir (tal direito só existe para o réu no curso de sua defesa em processo penal).
Quando o presidente da República mente à nação, desrespeita, em único ato, diversos princípios da Administração Pública: (a) legalidade, (b) publicidade, (c) moralidade e, principalmente, (d) presunção de veracidade e (e) supremacia do interesse público.
Adiciona-se o princípio correlato, mas não menos importante, da segurança dos serviços públicos (não podem apresentar riscos à população). Portanto, desrespeitar tais princípios é atentar contra a probidade na administração.
Falando em Administração Pública, ele ainda comete um crime comum: Bolsonaro prevarica (CP, art. 319) ao deixar de praticar ou praticar de maneira contrária os atos concernentes a disposições legais para satisfazer interesse ou sentimento pessoal.
Ora, seu próprio governo, através (a) da Lei nº 13.979/2020, da (b) Portaria do Ministério da Saúde nº 356, da (c) Portaria Interministerial nº 5 (esta tipifica a violação da quarentena como crime!) e da (d) Instrução normativa nº 21 da Secretaria de Gestão e Desempenho de Pessoal, bem como do (e) seu pedido ao Congresso para decretação de estado de calamidade pública, além da vergonhosa restrição à Lei de Acesso à Informação em virtude da pandemia através da (f) MP 928, além de submeter, num primeiro momento, seus próprios servidores ao regime de quarentena e teletrabalho, criou um arcabouço jurídico-institucional que autoriza a decretação de quarentena por governadores e prefeitos.
Seu pronunciamento em cadeia nacional no último 24 de março configura flagrante crime de prevaricação.
Como afirmou a professora Janaína Paschoal no processo de impeachment de Dilma Rousseff: sobram crimes!
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Um vírus, ser microscópico e invisível a olho nu, vem derrubando, irremediavelmente, a popularidade de Jair Messias que, por suas ações anticientíficas e criminosas em relação a esse inimigo invisível, não mais reúne condições de permanecer com a faixa presidencial.
O filósofo do direito Giuseppe Capograssi, em “La Vita Etica”, traduz uma angústia que parece eterna: “Seria preferível que não fossem necessárias catástrofes para entender, mas o homem é feito de modo a precisar da terrível pedagogia da história. (E a dificuldade é que, para entender, esta é condição necessária, mas não suficiente).”
Quantas mortes (físicas e jurídicas; falecidos e falidos) serão necessárias para percebermos que Jair já era, que sobram crimes de responsabilidade e, por isso, a atitude mais responsável é pensar no seu imediato impeachment?
*Advogado, mestre e doutor pela Faculdade de Direito da USP; coordenador do Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da PUC-SP; coautor de “Direito Eleitoral Contemporâneo” e autor de “A condição do fanático religioso”