Consultoria agro diz que corona é armação chinesa e marchinha de Carnaval

A teoria de que o pânico global com o novo coronavírus é parte de uma grande conspiração da China invadiu as redes sociais de direita nos últimos dias, mas não fica restrita a elas.

Entre políticos, a campanha anti-China também encontra terreno fértil, como a guerra de palavras entre o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e a embaixada do país asiático mostrou.

No meio empresarial, algo parecido tem ocorrido. Uma consultoria especializada em agronegócio com sede no Mato Grosso do Sul, a Rural Business, vem se dedicando a apontar o que vê como uma armação chinesa.

O objetivo seria lucrar, insuflando uma histeria irracional com a pandemia.

“Muito do que se fala sobre o coronavírus não passa de marchinha de Carnaval, e das boas”, disse a consultoria em vídeo publicado em seu canal no YouTube em 21 de fevereiro, que teve 115 mil visualizações.

Abertamente defensora dos presidentes Jair Bolsonaro e Donald Trump, a Rural Business tem sido usada pela direita em sua campanha contra a China. Vídeos vêm circulando em redes sociais para dar argumento a teses conspiratórias.

A doença já atingiu mais de 240 mil pessoas e causou quase 10 mil mortes em todo o mundo. Os números não param de crescer.

“Existe um gigantesco mercado que os chineses querem controlar, usando como argumento o coronavírus”, disse outro vídeo, de 12 de março, com o título “A Jogada de Mestre do Capital Chinês”.

Segundo essa tese, os chineses usam a pandemia, surgida no final de 2019 na província chinesa de Hubei, para controlar a economia mundial, e não apenas no setor do agronegócio.

O vídeo cita, por exemplo, a área de tecnologia. Com a paralisação da economia mundial, diz, empresas como as sul-coreanas Samsung e LG e a americana Motorola interromperam sua produção em fábricas no mundo todo, incluindo o Brasil. Serão suplantadas pela chinesa Xiaomi, que já retomou seu trabalho.

As análises em vídeo têm 5 a 15 minutos e são lidas por uma apresentadora. Os textos em geral são de Júlio Brissac, descrito como analista-chefe e estrategista de mercado da consultoria.

A consultoria diz ter 26 anos de experiência e uma vasta carteira de assinantes, de número desconhecido, que pagam para receber análises exclusivas de cenários.

Parte destes comentários é aberta no canal da consultoria no YouTube, que tem 234 mil inscritos. O canal está coalhado de vídeos críticos ao país asiático, com títulos como “A China enganou quase todo mundo!”.

Nesta quinta (19), entrou no ar mais um, bastante didático sobre a linha de pensamento da Rural Business.

A tese exposta é que rotineiramente a China cria pânico global com pandemias, para atender a seus interesses econômicos.

Com isso reduziria artificialmente a demanda por alimentos e jogaria os preços de produtos como a soja e o petróleo no chão.

Como foi quem provocou essa suposta histeria, estaria mais bem preparada para sair dela primeiro e conquistar mercado, segundo essa teoria.

Há diversos exemplos disso, diz a consultoria: a gripe aviária de 2004, a gripe suína de 2009, a peste suína africana de 2019 e agora o coronavírus.

Em nenhum destes momentos o crescimento do PIB chinês sofreu grandes abalos, o que seria uma prova cabal desta manipulação.

Imagem de vídeo da consultoria Rural Business (Reprodução/Folhapress)

“Quando tudo isso passar, e vai passar, é o seu bolso que estará sangrando. Tem muita gente querendo ganhar mercado usando ‘coronamoney’. E na política, muita gente querendo derrubar o novo Brasil”, diz o vídeo.

A grande farsa do coronavírus, segundo a Rural Business, foi causada pela guerra comercial entre a China e os EUA.

Confrontada por Donald Trump e obrigada a comprar mais produtos americanos para pôr fim à disputa, a China teria supervalorizado a pandemia como uma reação.

“A China viu a chance de devolver o tapa que levou de Donald Trump e mostrar quem de fato manda na economia global”, afirma a consultoria, que chama a preocupação mundial de “surto psicótico coletivo”.

A Rural Business não chega ao ponto de dizer que a doença foi criada em laboratório, como alguns mais malucos pregam.

Sua linha de argumentação é mais sutil: há uma superexploração de um problema existente.

“O coronavírus estava lá [na China], adoecendo a sua população. Então por que não explorar isso na mídia, à exaustão, com direito a cenas de gente morrendo na rua e vídeos assustadores para chacoalhar o mercado?”, pergunta a consultoria.

Fazendo eco aos bolsonaristas, a Rural Business diz que muitos opositores do presidente querem se aproveitar do momento para desestabilizar o governo.

“De políticos a grandes empresas globais, eles estão aqui, debaixo do nosso nariz, aproveitando-se do medo da população para desestruturar um governo eleito pelo povo, para colocar de novo a política brasileira nas mãos de corruptos e corruptores”, arremata o vídeo.

Não há menção às críticas que Bolsonaro vem sofrendo por ter minimizado a pandemia.

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Após a publicação deste texto, recebi de Júlio Brissac, diretor, analista chefe e estrategista da Rural Business, uma resposta a questionamentos que eu havia feito.

Ele primeiro contesta que a empresa seja uma consultoria. Define-a como “agência provedora de informações estratégica para o agronegócio e investidores de commodities agrícolas, com quase 30 anos de mercado”.

Segundo Brissac, os produtores brasileiros têm muito a agradecer aos chineses, pois dependem de seu consumo para continuar crescendo.

O cenário para a China mudou, diz ele, quando decidiu peitar os EUA na questão comercial, restando a eles a opção pelo Brasil.

“Se os produtores brasileiros não se atentarem para o fato, os chineses vão transformar este Brasil no seu ‘fazendão’, um país pronto para garantir seu abastecimento com comida barata, farta e de qualidade. Nada além disso”, afirma.

De acordo com Brissac, o objetivo de sua agência não é julgar o coronavírus, sua origem ou o que está sendo feito para acalmar o pânico.

“Mas sim analisar, com olhos de estrategista, por que e com que interesses este pânico foi instalado, e por que está sendo aquecido por tanta gente, transformando coronavírus em ‘coronamoney’”, diz.

Ele aponta uma série de “coincidências” suspeitas na pandemia.

“A transformação de coronavírus em ‘coronamoney’ está possibilitando à China comprar soja no Brasil pelo menor valor em 13 anos em dólar. Um verdadeiro paraíso”, afirma.

Uma das “coincidências” apontadas é o fato de em menos de três meses a China já anunciar o fim do contágio e a volta à normalidade no país, enquanto o mundo afunda numa “histeria coletiva”.

“O surto psicótico especulativo gerado pelo coronavírus não teria acontecido não fosse o embate direto entre China e EUA e os enormes interesses políticos, econômicos e pessoais que guiam hoje as ações ao redor do mundo, algumas delas bem debaixo de nosso nariz, na tentativa de desestruturar o governo de Jair Bolsonaro e devolver o Brasil para as mãos de corruptos e corruptores”, afirma.