Grupo que tentou barrar Porta nega censura, mas diz que prática às vezes é boa

Responsável pela ação judicial que tentou tirar do ar o especial do Porta dos Fundos sobre o Natal, o presidente do Centro Dom Bosco, Pedro Affonseca, nega que a decisão seja uma forma de censura.

“Não concordo [com a palavra censura], porque o termo tem hoje uma alta carga de ambiguidade”, afirmou ele, em mensagem por escrito enviada ao blog.

No início da noite desta quinta (9), o presidente do STF, Dias Toffoli, derrubou a censura, que havia sido determinada pelo desembargador do Rio Benedicto Abicair.

Segundo Affonseca, o que inspira receio da sociedade é a censura prévia, praticada quando a obra é inédita.

“Todavia, quando a obra já veio a público, caso se constate que  propaga o ódio a grupos (por exemplo, discursos racistas, ultraje a valores religiosos), a lei prevê a proibição da circulação de conteúdo”, afirma. De acordo com Affonseca, houve abuso do direito de expressão.

O Centro Dom Bosco é uma entidade de orientação católica que reúne sobretudo leigos. Sediada no Rio de Janeiro, destaca-se na promoção de valores conservadores e na defesa da família. Tem uma atuação destacada nas redes sociais em defesa da Igreja.

Também reúne apoiadores em universidades, no Ministério Público e no Congresso. Uma de suas porta-vozes na política é a deputada federal Chris Tonietto (PSL-RJ).

De acordo com Affonseca, a mídia costuma dar sentido equivocado à palavra censura. “Em algumas circunstâncias, ela é boa. Por exemplo, um pai que censura um ato ruim feito pelo filho, um filme que debochasse do Holocausto ou uma produção ‘artística’ que visasse ridicularizar uma pessoa com deficiência física”, afirmou.

O especial de Natal, chamado “A Primeira Tentação de Cristo”, atraiu a fúria de grupos cristãos e de conservadores por retratar Jesus Cristo como um homossexual e Maria como amante de Deus.

Segundo Affonseca, que é advogado e empresário no setor de seguros, o especial, veiculado pela plataforma Netflix, “vilipendia gravemente a fé cristã de mais de 80% dos brasileiros, incorrendo em crime previsto pelo artigo 208 do Código Penal”.

O artigo citado por ele considera crime “escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa” e prevê prisão de um mês a um ano, além do pagamento de multa. “Os dogmas e verdades mais sagradas para todos os cristãos foram alvo da zombaria mais grosseira”, afirmou o presidente do grupo católico.

Affonseca, na mensagem enviada ao blog, diz que condena o ataque feito contra a sede da produtora Porta dos Fundos, no Rio de Janeiro, por um homem que se apresenta como um militante do movimento integralista e exilou-se na Rússia.

“Foi um ataque brutal e injustificável por parte de um indivíduo que demonstra não saber conviver em sociedade”, declarou. “Suas ações em nada refletem a justa indignação do povo brasileiro, e provavelmente são fruto de um distúrbio psiquiátrico”, afirmou.

Para o empresário, é preciso haver limites no humor, que seria “o respeito para com a esfera do sagrado e pela manifestação da fé que marca a cultura e a identidade de um povo”.

Ele afirmou que o grupo que preside repetirá a atitude tomada contra o Porta dos Fundos se houver  casos futuros parecidos. “Certamente, entraremos [na Justiça], caso as paródias ou sátiras zombem de forma desrespeitosa dos dogmas, símbolos ou objetos de culto da fé católica”, declarou.

Affonseca declarou que o Centro Dom Bosco pretende recorrer da decisão de Toffoli. “Infelizmente, [a decisão do presidente do STF] não é nenhuma surpresa”, disse.