Eleição britânica mostra como é dura a vida dos liberais

Não é fácil a vida de um liberal, como mostrou o resultado da eleição britânica.

O Partido Liberal Democrata do Reino Unido é talvez a expressão mais fiel do liberalismo em um país desenvolvido.

Na economia, não chegam a defender o Estado mínimo, mas têm um compromisso firme com o incentivo ao empreendedorismo e estão a léguas da noção de que o governo é a solução para garantir crescimento.

Na segurança, são contrários às políticas de endurecimento da repressão defendidas pelos conservadores e querem limites claros às ações da polícia, para evitar restrição a liberdades individuais.

Defendem a descriminalização do uso de drogas  e combatem o horrendo discurso anti-imigração em voga na Europa.

São efusivamente globalistas, pedindo de forma aberta a permanência do Reino Unido na União Europeia, apesar do referendo de 2016 em que saída do bloco foi  vitoriosa.

Mas na eleição desta quinta-feira (12) levaram mais uma paulada, como já ocorreu em pleitos anteriores. Estão cada vez mais distantes de formar um governo. Ficaram com apenas 11 cadeiras no Parlamento, atrás dos conservadores (364), dos trabalhistas (203) e dos nacionalistas escoceses (48).

Nem a líder liberal-democrata, Jo Swinson, conseguiu se reeleger.

E pensar que eles já foram a maior força da política britânica. Eram liberais alguns dos maiores primeiros-ministros da história do país, como William Gladstone (1809-98), que teve quatro mandatos no século 19, e a dupla que comandou o Reino Unido durante a Primeira Guerra Mundial, Herbert Asquith (1852-1928) e David Lloyd George (1863-1945).

Até Winston Churchill, que viveu o auge da carreira no Partido Conservador, foi filiado ao Partido Liberal durante parte de sua trajetória política.

O que gerou tamanha decadência? Como costuma ocorrer nesses casos, diversos fatores ajudam a explicar a situação.

No início dos anos 1980, a fusão com uma ala dissidente do Partido Trabalhista levou a uma certa esquerdada na legenda, que inclusive trocou de nome e perdeu muito de sua personalidade. Os liberais de então viraram liberal-democratas, ou lib-dems, nome que conservam até hoje.

Mais recentemente, uma aposta ousada revelou-se um desastre político, quando os lib-dems se uniram aos conservadores numa coalizão após a eleição de 2010.

Vários de seus eleitores se sentiram traídos, e o partido não conseguiu compensar esse fator abocanhando uma parte da direita moderada.

Mas há uma explicação mais de longo prazo, e que traz lições ao Brasil. Nas últimas décadas, o partido ficou espremido entre a direita conservadora e a esquerda trabalhista, que se revezaram no poder (com vantagem para a direita, na verdade).

Liberais têm um problema político, e não é só no Reino Unido. São ruins de voto, provavelmente porque são moderados na comparação com os dois extremos. Como estamos vendo por aqui, o eleitorado gosta de polarização, e quem pede silêncio tem dificuldade de ser ouvido em meio à gritaria.

Historicamente, ideias liberais na economia são tocadas por governos conservadores, e não são poucos os casos em que esse casamento da direita se consumou. Estamos vendo um exemplo disso agora mesmo no governo de Jair Bolsonaro.

Mas paga-se um preço pesadíssimo, o de se implementar um liberalismo pela metade. Os liberais acabam dando algum verniz de respeitabilidade a governos conservadores, mas via de regra são engolidos por políticas autoritárias e retrógradas. Lembra algo?

Aqueles que optam por um caminho liberal puro ficam pelo meio do caminho.

Faça-se a ressalva de que no Reino Unido grande parte do problema está no sistema de voto distrital puro, em que apenas o candidato mais votado numa circunscrição geográfica é eleito.

Como ficam em segundo lugar em diversos distritos, os lib-dems acabam tendo um percentual de deputados eleitos bem menor do que a soma da votação de seus candidatos pelo país.

Não por acaso, eles são grandes defensores de uma mudança no sistema eleitoral, para que tenha também um componente que leve em conta a proporção dos votos obtidos nas urnas.

É um pleito mais do que justo, mas a chance de os demais partidos aceitarem a mudança é nula.

A sina dos liberais britânicos, e de todo o planeta, parece ser a de permanecer na periferia da política por um bom tempo ainda.