Direita rejeita Zumbi como símbolo negro e exalta abolicionistas
Feriados não costumam ensejar grandes debates ideológicos, mas o Dia da Consciência Negra está se tornando uma exceção.
O 20 de novembro, que marca a morte de Zumbi dos Palmares em 1695 e foi adotado como símbolo pelo movimento negro, é crescente alvo de críticas por uma parte considerável da direita.
Conservadores consideram Zumbi, no mínimo, uma figura do qual se sabe muito pouco, e que portanto não merece o título de herói nacional.
Alguns o veem como um personagem violento, que criou uma corte em torno de si e tolerava algumas formas de escravidão.
Mais adequado, diz a direita, é celebrar o 13 de maio, data da Abolição da escravatura pela Princesa Isabel, em 1888. Ou relembrar personagens históricos como Luís Gama, advogado negro que foi escravo e se tornou um dos grandes abolicionistas brasileiros.
Por trás da discussão histórica, há a sempre presente polarização do debate público. A direita entende que o 20 de novembro é utilizado pela esquerda em um contexto mais amplo, o dos movimentos identitários, que se traduzem em políticas como cotas raciais nas universidades.
O vereador paulistano Fernando Holiday (DEM), que é negro, apresentou projeto na Câmara de São Paulo para acabar com o Dia da Consciência Negra.
“Eu até entendo o motivo pelo qual a esquerda defende o dia da Consciência Negra tal qual é hoje, porque acredita que se deve dar o mérito da libertação para um negro. Mas a escolha por Zumbi mais ajuda do que combate o racismo, é uma figura que segrega”, afirma Holiday.
O vereador diz considerar importante que haja uma data no calendário para marcar o movimento negro. Afirma não ter oposição a que seja o 13 de maio, mas sua preferência recai sobre a figura de Gama.
“Ele ajudou como advogado na libertação de mais de 600 escravos. Superou a sua própria realidade de discriminação. E é uma figura histórica que representa muito bem a superação do racismo pela meritocracia”, declara. Para Holiday, a data poderia ser comemorada em 24 de agosto, dia da morte de Gama em 1882, aos 52 anos.
Produtora de vídeos de história e educação com viés de direita, a Brasil Paralelo também questiona a imagem que se tem de Zumbi.
Em um de seus vídeos, o professor de filosofia e sociologia da rede pública paulista Paulo Cruz, um crítico do movimento negro, afirma que Zumbi é uma construção histórica recente, do final dos anos 1970
“Nunca se teve uma descrição exata de quem foi Zumbi, apenas relatos, e a grande maioria são fantasiosos” diz Cruz, que também é negro.
Para o professor, Zumbi é uma figura que alimenta a tensão racial. “Ele não me tira dessa espiral do racismo, e do racialismo brasileiro. Ele me mantém numa situação de tensão em relação à sociedade. A figura do quilombo é uma figura de tensão”, declara.
Professor de história influente em círculos conservadores, Rafael Nogueira afirma que não há um plano conservador para rejeitar o Dia da Consciência Negra.
“Há apenas um questionamento: será que a figura de Zumbi é mesmo a que melhor representa a cultura antirracista e que defende a recuperação da cultura genuinamente afro? “.
A resposta, para ele, é claramente negativa. “José Bonifácio, D. Pedro 2 e a princesa Isabel eram favoráveis à abolição e amigos do movimento abolicionista, o que torna o 13 de maio especial”, afirma.
Nogueira, ligado ao filósofo Olavo de Carvalho, também menciona negros que poderiam ser exaltados. Além de Gama, cita André Rebouças (1838-98), seu irmão Antonio (1839-74) e o jornalista José do Patrocínio (1853-1905).
Os defensores do Dia da Consciência Negra, obviamente, veem a questão de forma bastante diferente. Enxergam Zumbi não como uma figura divisiva, mas alguém que simboliza a conquista de direitos por esforço próprio dos negros, e não por uma concessão das autoridades.