Livro mostra como MBL virou símbolo da nova direita e da polarização

Em 1º de novembro de 2014, ou seja, há apenas cinco anos, o MBL (Movimento Brasil Livre) nascia sob o signo do improviso. Seu nome foi tomado emprestado de outra organização, e o primeiro ato ocorreu quase que por acaso.

Ler a história do movimento, retratada em um livro que está sendo lançado, é perguntar-se como um grupo com tais características tornou-se um ator relevante no processo que levou ao impeachment de uma presidente da República.

Não apenas isso, o MBL também contribuiu para tensionar o clima político a ponto de ter feito uma autocrítica recente sobe seu papel na polarização atual do país.

“Como um Grupo de Desajustados Derrubou a Presidente” (ed. Record) é a trajetória do movimento contada por dois de seus principais líderes, o coordenador nacional Renan Santos e o deputado federal Kim Kataguiri (DEM-SP).

A obra não é apenas a biografia do MBL. É também a retrospectiva de um período frenético da história do Brasil, que teve raízes nas manifestações de junho de 2013 e dava sinais hoje evidentes (mas nem tanto à época) da onda que levou Bolsonaro e a direita ao poder, no ano passado.

“Aquelas pessoas que caminhavam lado a lado [em 2013] viriam a dividir-se, anos depois, nas turmas que saíram às ruas de vermelho e amarelo na guerra do impeachment”, escreve Renan.

Depois, os amarelos se dividiriam mais ainda, até desembocar na situação de hoje, em que parte da direita considera Bolsonaro até mais nocivo que o PT.

Um efeito curioso da leitura é lembrar como era o MBL antes de embarcar em seu recente processo de institucionalização, que inclui convidar parlamentares de esquerda para seu congresso anual.

O MBL raiz não tinha nada disso: era agressivo e insolente, fazendo do meme sua arma contra a esquerda e a imprensa (a Folha era um alvo preferencial). Em certa medida, eram como adolescentes querendo chamar a atenção.

“Não éramos candidatos a Miss Universo, éramos militantes políticos”, afirma Kataguiri no livro. “Sabíamos como permanecer ativos através da curiosidade –e do ódio– de quem nos cobria e narrava”, ecoa Renan.

Na batalha pelo impeachment, como mostra o livro, eles recorreram a métodos que criticavam nos defensores de Dilma Rousseff, como o uso de máquinas organizadas para arregimentar militância.

“Ficou combinado que as igrejas, os pastores e as comunidades evangélicas orientariam os fiéis a irem às manifestações. E o pessoal do agro ajudaria, inclusive com ônibus para levar o pessoal das igrejas nos deslocamentos”, lembra Kataguiri, falando do derradeiro ato em frente ao Congresso, no dia da votação do impeachment pela Câmara.

O hoje deputado compara a dobradinha dos dois setores, que viriam a ser fundamentais para a vitória de Bolsonaro, a uma equipe de nado sincronizado, e arremata: “Bonito de ver”.

Ao mesmo tempo, o grupo demonstrava um nível de maturidade política que rejeitava soluções de quebra institucional, algo digno de nota em um movimento formado em sua maioria por jovens entre 20 e 30 anos.

Desde o início, as rusgas com os defensores de intervenção militar e fechamento do Congresso se manifestavam, fato que estaria na gênese do grande racha da direita do primeiro semestre de 2019.

Olavo de Carvalho, que àquela altura tinha apenas uma fração da relevância que adquiriu, é chamado por Kataguiri de “sujeito que acredita ter dado início a todas as manifestações direto de seu sofá na Virgínia”.

O livro é rico em bastidores da formação do movimento, seu crescimento e eventos marcantes.

Um dos principais é a Marcha Pela Liberdade, em 2015, uma peregrinação a pé de São Paulo a Brasília que culminou com a entrega de um pedido de impeachment ao então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, numa foto que perseguiria o movimento (e que ainda tem Bolsonaro e seu filho Eduardo como papagaios de pirata)

Aquela imagem, diz Renan, representou a perda de virgindade do MBL. “[Cunha] era, gostemos ou não, o homem certo no momento certo”, afirma o coordenador do movimento.

Integrantes do MBL posam com o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e outros deputados, após entrega do pedido de impeachment de Dilma (Ed Ferreira/Folhapress)

Uma revelação do livro que à época poderia parecer banal adquire outro significado aos olhos de hoje. Como relata Kataguiri, o movimento sempre flertou com a ideia de formar um partido político, e chegou a negociar um atalho em 2016 com um certo PSL, comandado com braço de ferro, antes como agora, por um tal de Luciano Bivar.

A conversa, no entanto, não progrediu, e o MBL desistiu de entrar na legenda de Bivar porque desconfiou que viraria apenas um instrumento nas mãos de um típico coronel partidário, no que, à luz do escândalo das candidaturas laranjas, se revelaria uma premonição.

A relação com os políticos é tema constante do livro, que leva o grupo a seus momentos mais penosos. Associar-se ou não a uma figura como Aécio, por exemplo, é um dilema constante (e trata-se do Aécio ainda com alguns resquícios de credibilidade, ou seja, pré-caso JBS).

Um momento de humor involuntário é a fracassada operação tabajara armada para que políticos de oposição participassem sem dar muita bandeira da manifestação de 13 de março de 2016, a maior de todas  daquele processo (na qual, aliás, o Datafolha é esculachado pelo movimento por supostamente ter subestimado o volume de manifestantes).

O MBL, que meses antes temia qualquer tipo de ligação com a velha política, acaba abraçando um pragmatismo tardio. “Afastar aqueles que votariam a favor [do impeachment] e articulavam para que outros parlamentares votassem sim seria suicídio”, justifica Kataguiri.

O livro termina com o afastamento temporário de Dilma, sem grandes pretensões de discutir o futuro deste movimento que, contra todas as probabilidades, conseguiu como nenhum outro capturar o momento em que a sociedade brasileira assumia seu lado conservador e buscava novas linguagens na política. Não era apenas Eduardo Cunha que estava na hora certa, no lugar certo.

O MBL agora promete entrar numa nova fase, de mais debate e menos gritaria, e seu sucesso nessa roupagem ainda é uma incógnita. Será curioso ver a comemoração de seus dez anos.

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Título: “Como um Grupo de Desajustados Derrubou a Presidente”

Autores: Kim Kataguiri e Renan Santos (364 págs.)

Editora: Record

Preço: R$ 39,90