Extrema direita mudou debate sobre imigração na Alemanha, diz professor
A ascensão do AfD, partido de extrema direita da Alemanha, talvez seja a grande história da política do país europeu nos últimos anos.
Criado há relativamente pouco tempo (em 2013), a legenda, cuja sigla significa Alternativa para a Alemanha, alcançou 12% dos votos na última eleição nacional, em 2017, e teve desempenho ainda melhor em pleitos regionais.
Na avaliação do professor Hans Joachim Lauth, da Universidade de Würzburg, o partido, embora não faça parte de nenhum governo, teve efeito grande na política alemã. Suas teses anti-imigração e contrárias à União Europeia tornaram-se parte corrente do debate.
Estudioso da direita europeia, Lauth esteve no Brasil na semana passada para uma conferência promovida pelo programa de pós-graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Por e-mail, ele deu a seguinte entrevista ao blog.
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A Alemanha vinha sendo pouco afetada pela onda de extrema direita europeia até o AfD ser fundado, em 2013. Desde então, o partido cresceu e obteve 12% dos votos na última eleição nacional, em 2017. O que isso significa para a política alemã? O sucesso da AfD trouxe consigo mudanças na política alemã, mas nenhuma fundamental. Até hoje, nenhum partido quer fazer coalizão com a AfD. Sendo assim, não está participando em governos (local, regional ou nacional). Mas há efeitos indiretos. Contribuiu para uma intensificação das políticas de migração, mas em outras áreas a influência é muito mais limitada. Por outro lado, a polarização no debate político se intensificou.
Quais as principais características da extrema direita alemã? A questão não é muito fácil de responder, porque atualmente ainda existem fortes confrontos internos na AfD. Em primeiro lugar, não é um partido de extrema direita, como o NPD (Partido Nacional Democrático da Alemanha), cuja inconstitucionalidade foi determinada pelo Supremo Tribunal Constitucional Alemão. O AfD foi fundado como um partido conservador com críticas à União Europeia. Nos últimos anos, mudou-se significativamente para a direita e hoje pode ser descrito como um partido populista, com uma atitude fortemente anti-imigrante. No entanto, há um movimento dentro da AfD, a chamada “Ala”, que deve ser chamada de direita radical com expressão chauvinista. Seus membros têm atitudes antipluralistas e expressam manifestações populares étnico-nacionalistas.
Que papel o neonazismo joga no discurso extremista de direita na Alemanha? Na direita extremista desempenha papel significativo, mas é insignificante no debate público. Tampouco é este o discurso da AfD, que de muitas maneiras se relaciona com outros partidos populistas de direita na Europa.
Como o sr. compara a extrema direita alemã com a de outros países, como França ou Itália? Comum é a crítica à União Europeia. Não querem mais integração, mas uma Europa de nações. Também se unem nas críticas à migração e ao islã. Têm posições diferentes na política econômica e social. Na Polônia, o populismo de direita está fortemente associado ao catolicismo. Não é o caso nos países da Europa Ocidental. Na Alemanha, há uma forte tensão entre a Igreja Católica e a AfD. Como o partido populista de direita na França, que também é aberto à homossexualidade, enquanto na Europa Central é fortemente contra.
Por que há tantos alemães atraídos por uma forma extremista de direita em vez da moderada, representada por Angela Merkel? As críticas não são direcionadas apenas contra a política de Merkel, mas devem ser vistas em um contexto maior. Vencedores e perdedores da globalização se contrapõem. Os membros da CDU [partido de Merkel] têm visão positiva sobre a globalização, pois a Alemanha é uma nação exportadora. Os membros da AfD, por outro lado, querem um Estado-nação protegido, de novo com fronteiras na Europa.
O sr. vê chance de algo parecido ao Brexit na Alemanha? Não. A esmagadora maioria dos alemães (mais de 80%) é a favor da União Europeia. Isso não significa que não haja necessidade de reforma. Mas essas reformas visam principalmente o fortalecimento da UE como uma união política e social.
Há uma discussão no Brasil, sobretudo propagada por apoiadores do presidente Bolsonaro, de que nazismo tem ligações com a esquerda. Há base histórica para isso? Uma certa conexão pode ser feita. O partido fascista alemão tinha o nome “nacional-socialista”, o que significou que, além do fundamento popular-nacionalista, havia também uma crítica ao capitalismo, que era dominado pelos judeus. Hoje, posições de esquerda e direita combinam críticas ao capitalismo global, mas existem diferenças. A esquerda critica a convulsão social associada ao capitalismo, e a direita critica o enfraquecimento da nação. É interessante que muitos trabalhadores na Alemanha tenham escolhido o AfD, mas não é a expressão de uma política de esquerda. O partido fascista na Alemanha também foi eleito por muitos trabalhadores.
O sr. vê a AfD e Bolsonaro como parceiros naturais no palco global? AfD e Bolsonaro certamente têm muito em comum. Por exemplo, banalizar ou negar o aquecimento climático causado pelo homem. Até agora, o AfD não está procurando aliados além da Europa. Para Bolsonaro, o AfD em uma posição de governo certamente seria de grande interesse, mas não como um pequeno partido de oposição na Alemanha.