Fala de Bolsonaro na ONU foi 75% conservadora e 25% liberal

Jair Bolsonaro gosta de caracterizar seu governo como uma mistura de liberalismo econômico e conservadorismo social. Ou, nas palavras do ministro Paulo Guedes (Economia), a união da ordem com o progresso.

O discurso do presidente à Assembleia Geral da ONU oferece uma oportunidade rara de tentar medir quanto de seu governo é liberalismo e quanto é conservadorismo. Ficou claro que certamente não é meio a meio.

Com base na íntegra do discurso, construí uma classificação, dividindo-o em quatro temas gerais: antiesquerdismo, defesa de valores, ambientalismo/questão indígena e liberalismo/globalismo (sim, houve acenos à demonizada comunidade internacional). Críticas à imprensa não mereceram uma categoria à parte porque basicamente perpassam o discurso inteiro.

Bolsonaro pronunciou 2.780 palavras, em 32 minutos. Destas:

-763 (27,4%) foram usadas para defender a visão do governo sobre meio ambiente, Amazônia e direitos indígenas;

-721 (25,93%) referiram-se à defesa de valores liberais e globalistas

-683 (24,56%) foram pronunciadas para a defesa de valores conservadores

-585 (21,04%) palavras foram de ataque a esquerdistas dos mais variados.

(o outro 1,07% é de saudações).

Ou seja, a defesa de ideias liberais na economia e no comércio exterior ou acenos ao multilateralismo, como a participação em missões de paz, mereceram 1 em cada 4 palavras. Grosso modo, é o que mais poderia se aproxima de uma agenda positiva apresentada pelo presidente.

Exemplos:

“O livre mercado, as concessões e as privatizações já se fazem presentes hoje no Brasil”;

“Estamos abrindo a economia e nos integrando às cadeias globais de valor”;

“Reafirmo nossa disposição de manter contribuição concreta às missões da ONU, inclusive no que diz respeito ao treinamento e à capacitação de tropas, área em que temos reconhecida experiência”.

Os outros três quartos da fala são de um Bolsonaro que foi para cima dos adversários, como se estivesse em um palanque. Ou, para os que defendem o presidente, que reagiu às críticas num tom duro, mas necessário.

Como disse, dividi essa parte majoritária do discurso em três categorias, que detalho a seguir.

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1-) Ambientalismo/meio ambiente/questão indígena (27,4% do discurso). Exemplos:

“É uma falácia dizer que a Amazônia é patrimônio da humanidade e um equívoco, como atestam os cientistas, afirmar que a nossa floresta é o pulmão do mundo”;

“O Brasil agora tem um presidente que se preocupa com aqueles que lá estavam antes da chegada dos portugueses. O índio não quer ser latifundiário pobre em cima de terras ricas”.

2-) Defesa de valores (24,56%). Exemplos:

“A ideologia invadiu nossos lares para investir contra a célula mater de qualquer sociedade saudável, a família”;

“Não estamos aqui para apagar nacionalidades e soberanias em nome de um interesse global abstrato”.

3-) Antiesquerdismo (21,04%). Exemplos:

“O Foro de São Paulo, organização criminosa criada em 1990 por Fidel Castro, Lula e Hugo Chávez para difundir e implementar o socialismo na América Latina, ainda continua vivo e tem que ser combatido”;

“Há pouco, presidentes socialistas que me antecederam desviaram centenas de bilhões de dólares comprando parte da mídia e do parlamento, tudo por um projeto de poder absoluto”.

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Minha divisão temática do discurso não é ciência exata, claro, e outras pessoas que se aventurem a fazer esse exercício poderão chegar a conclusões diferentes (embora não muito, suponho). Além disso, alguns trechos misturam categorias (crítica ao socialismo misturada com ambientalismo, por exemplo).

Mas o exercício teórico serve para mostrar que talvez seja um exagero dizer que este é um governo liberal-conservador. Está mais para um governo conservador com um nicho liberal.