O que significa para o bolsonarismo a briga entre Nando Moura e Allan dos Santos

Nando Moura vs. Allan dos Santos.

Não se preocupe se você não estiver identificando quem são os dois protagonistas deste duelo. Mas se estiver disposto a acompanhar por algum tempo a atividade no gueto digital conservador, vai até achar que estamos diante de um novo Muhammad Ali vs. George Foreman.

Nando e Allan são dois gladiadores da direita no mundo virtual. Tuiteiros e youtubers, são agressivos, grosseiros e histriônicos. Atacam a imprensa, a esquerda, os progressistas e tudo que cheirar ao famoso “marxismo cultural”. E são devotos de são Olavo de Carvalho.

Até pouco tempo atrás, estavam do mesmo lado. Nando, por exemplo, foi todo sorrisos com Italo Lorenzon, uma espécie de fiel escudeiro de Allan, em março, no lançamento de um filme que relativiza o golpe de 1964. (Está neste link, a partir de 4min42s).

Mas o caldo destro entornou no final da semana passada. Nando Moura, depois de um período longe do YouTube, retornou de forma bombástica na sexta-feira (13).

“Fala, seus bandidos ilícitos!!!”, esgoelou-se, provavelmente matando de susto muita gente desavisada que clicou no botão play. “Eu estava com muita saudade de vocês, de verdade. Esse canal é uma terapia para mim”, disse.

No dia seguinte, sábado (14), soltou a bomba: num mesmo vídeo, criticou a odiada Rede Globo e o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), por ter se recusado a assinar a chamada CPI da Lava Toga, que pretende investigar sobretudo o Supremo Tribunal Federal.

De roupa do Exército e guitarras penduradas na parede ao fundo, literalmente trincando os dentes, xingou o filho do presidente. “Já que estamos falando de cinismo, cretinice e canalhice, estava assistindo à entrevista do Flávio Bolsonaro ao Terça Livre, foi uma das coisas mais nojentas que eu já vi na minha vida”, disse, em referência ao canal capitaneado por Allan dos Santos, que veiculou uma entrevista com o filho do presidente em 10 de setembro.

“Todo mundo está presenciando os desmandos do Judiciário. […] Flávio Bolsonaro, você vai assinar essa CPI da Lava Toga quando, seu covardão?”, arrematou Nando.

A resposta de Allan, num tom apenas um pouco menos virulento, veio no mesmo dia. “O Nando Moura diz que eu sou inimigo. Falou gritando comigo no telefone. Eu não sei se ele é personagem, não sei se ele é assim mesmo”, disse.

O youtuber Allan dos Santos com o presidente Bolsonaro (Reprodução)

Logo depois, anunciou a criação de uma espécie de cadastro de militantes bolsonaristas, atendendo a uma sugestão de são Olavo (http://www.probolsonaro.com.br/).

Por trás da briga de dois ególatras, há uma questão de fundo dividindo a direita. Era muito simples ser radical e jacobino fora do governo. Basta lembrar da famosa frase de Eduardo Bolsonaro de que para fechar o Supremo bastam um cabo e um soldado, veiculada no auge da campanha eleitoral do ano passado.

Com Bolsonaro chefiando o Poder Executivo, patrocinar investidas contra outros Poderes pode ser problemático. O presidente, afinal, firmou alianças muito próximas, por exemplo, com os comandantes do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e do STF, Dias  Toffoli.

A CPI da Lava Toga é mais um ato a estremecer a aliança entre conservadores e lavajatistas, já abalada pela fritura do ministro Sergio Moro (Justiça) e pelo projeto de lei sobre o abuso de autoridade. Parte da base do PSL e da direita parece estar colocando o ímpeto investigatório acima da lealdade ao presidente. Nando Moura, com seus 3,3 milhões de seguidores, está nesse grupo. Os senadores Major Olímpio (SP) e Selma Arruda (MT, de partida para o Podemos), também.

Outra ala, representada por Allan dos Santos (630 mil inscritos em seu canal) e, ao que tudo indica, o próprio Olavo, prefere a realpolitik, para não correr o risco de desestabilizar o barco do governo. Nessa situação, obviamente, estão os filhos do presidente.

Allan tempera sua visão dizendo que não é contra a investigação dos ministros do STF –sobretudo Toffoli e Gilmar Mendes, vistos como inimigos da Lava Jato. Ele diz apenas que prefere que se peça o impeachment deles no Senado, o que é uma forma de sair pela tangente, dado que é uma alternativa completamente irrealista.

Como camadas de cebola, a direita vai aos poucos se descolando de Bolsonaro: MBL, João Doria, Wilson Witzel, Gustavo Bebianno, Alexandre Frota já partiram. Mas o núcleo duro bolsonarista vinha se mantendo mais ou menos coeso.

Se gente como Nando Moura largar o capitão, é mais uma camada que se vai, e talvez seja o prenúncio de mais defecções. Mas é possível também que após causar barulho e ganhar audiência, todos voltem às boas. Youtubers são mestres da manipulação de suas audiências.

Enquanto a coisa não se desenrola, sugiro curtir a briga à distância (se você não tiver nada melhor para fazer, claro). É até divertido.