Em MG, com o pacote Zema, liberalismo enfrenta seu maior teste prático
Governador mais liberal do Brasil (ao menos em tese), Romeu Zema (Novo) está prestes a comprar a maior briga política de seu curto mandato em Minas Gerais.
Em breve, Zema mandará para a Assembleia Legislativa um pacote de projetos que visam a reduzir o tamanho do estado e equilibrar as contas públicas. Num lance de ousadia política, vai mexer em vários vespeiros simultaneamente.
Talvez o maior deles seja a venda de algumas vacas sagradas do patrimônio público do Estado. A principal delas é a Cemig (Companhia Energética de Minas Gerais), fundada por ninguém menos que Juscelino Kubitschek quando governador de Minas, em 1952.
Outras duas, não menos simbólicas, são a a Copasa (saneamento) e a Codemig (Companhia de Desenvolvimento Econômico de MG), que cuida de um ativo que o presidente Jair Bolsonaro já considerou tão importante quanto o ouro: as vastas reservas de nióbio do estado.
Na linha de frente da defesa do plano de ajuste de Zema, a deputada estadual Laura Serrano (Novo) tem consciência de que vem chumbo grosso da oposição e de sindicatos e movimentos sociais.
Não apenas em razão da venda das estatais, mas também por causa de outros itens do pacote, como o aumento da contribuição previdenciária para servidores.
“O plano de recuperação fiscal é o que a gente tem de viável para resolver o problema de fluxo de caixa do estado”, afirma ela.
Como o Partido Novo é ideologicamente contrário a qualquer aumento de imposto, só resta cortar despesa.
Segundo Serrano, o estado tem hoje um deficit mensal de cerca de R$ 1 bilhão, diferença entre o que entra e o que sai do caixa mineiro. Ou seja, a cada 30 dias, o buraco aumenta.
Desde que assumiu o cargo, Zema tem promovido medidas de enxugamento da máquina pública, como a extinção de secretarias e a redução do número de cargos. Mas no panorama geral, essas ações não resolvem o problema. Apenas medidas mais radicais, como as que constam do pacote fiscal, farão o serviço.
O governador esbarra numa base aliada frágil na Assembleia. Dos 77 deputados, apenas 21 apoiam automaticamente o governo Zema, e destes, somente 3 são do partido dele, o Novo.
Outros 16 são de partidos de esquerda, e fazem oposição sistemática ao governo. Quem decide são os outros 40 parlamentares, que se posicionam de acordo com o tema em debate, ou o momento político.
A recente queda de Custódio de Mattos, tucano que cuidava da articulação política, deixou mais tensas as relações na base governista.
Como se a missão não fosse complicada o suficiente, a Constituição estadual tem uma pegadinha, que mais uma vez demonstra o amor dos mineiros por suas estatais. Qualquer venda de empresa pública tem de ser submetida a um plebiscito, o que, para um plano de ajuste fiscal baseado em desestatização, representa um enorme problema.
Por isso, talvez o primeiro projeto a ser votado pela Assembleia seja uma emenda à Constituição estadual acabando com essa exigência.
Segundo a deputada Serrano, fazer o ajuste fiscal é importante, mas a privatização traz outros benefícios. “A privatização é o que pode levar uma empresa como a Cemig a ser verdadeiramente um indutor do desenvolvimento”, afirma.
A Cemig, diz ela, não tem condições de fazer os investimentos necessários para se manter eficiente e relevante. O gasto anual em modernização e expansão é calculado em R$ 21 bilhões, mas a estatal tem previsão de investir apenas R$ 6 bilhões em 2019.
A situação precária do estado, diga-se, é herança de governos passados. A folha de pagamento continua consumindo um percentual astronômico da receita, cerca de 77%. Os salários seguem atrasados, mas pelo menos são pagos em datas pré-determinadas.
Aos 32 anos, deputada de primeiro mandato, ela diz que começou a ser forjada nos conceitos liberais de uma forma improvável: no colégio militar de Belo Horizonte. Era uma das poucas mulheres do lugar.
“Ali são passados conceitos como meritocracia e disciplina”, afirma. Mas decidiu não seguir carreira militar. Formou-se em economia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com pós no Canadá.
De volta ao Brasil completamente convertida ao liberalismo, filiou-se ao Novo, e em 2016 candidatou-se a vereadora em Belo Horizonte. Ficou com uma suplência.
Em 2018, nova tentativa, dessa vez bem-sucedida. Teve mais de 33 mil votos, com uma campanha relativamente modesta, que custou R$ 23 mil.
Da nova safra do Novo, a deputada dobra a aposta na sua receita de liberalismo. “O liberalismo econômico é o maior propulsor de desenvolvimento social”, afirma.
Mas os percalços para o sucesso dessa receita serão muitos. Diversos deputados estaduais, mesmo os da base do governo, já se mobilizam para diluir o ajuste fiscal.
Em julho, parte deles apresentou uma lista de recomendações a Zema para tentar evitar cortes. Entre eles, a cobrança da União de créditos de perdas da Lei Kandir, que isenta exportações, sobretudo de minérios, parte importante da pauta econômica do Estado.
Em Minas, talvez o maior teste político atual para o liberalismo está apenas começando.