Livro mostra como a internet turbinou movimentos da esquerda à extrema direita

Os efeitos dos protestos de 2013 sobre a vida política brasileira são bastante conhecidos, mas um deles talvez tenha passado despercebido.

Em 14 de junho daquele ano, cerca de 24 horas depois de um dos primeiros confrontos entre manifestantes e policiais nas ruas de São Paulo, um deputado federal do baixo clero chegou à conclusão de que era de levar a sério a comunicação via redes sociais.

“Caros amigos, tentarei a partir de agora centralizar as informações do meu trabalho em apenas uma página, para evitarmos sobrecarregamento de informações repetidas”, disse. Seu nome era Jair Bolsonaro.

À luz do que viria a se tornar sua máquina de propaganda virtual, o alcance desse primeiro post no Facebook foi para lá de modesto: 617 curtidas, 69 compartilhamentos e 97 comentários. Alguns deles, contudo, se tornariam proféticos. “Saia candidato à Presidência, contamos com o senhor”, dizia um.

A importância da revolução digital para a extrema direita e outros movimentos em geral é o mote de “Dias de Tormenta” (ed. Geração), do jornalista Branco Di Fátima. O livro analisa nove episódios marcantes da política e da economia mundiais, concentrando-se em como a internet e as redes sociais contribuíram para desfechos que pareciam improváveis. Não raro, com boa dose de desinformação, muito antes da consagração do termo fake news.

O autor estabelece como marco inicial desse simbiose entre política e ciberespaço a revolta zapatista no México, em 1994, que, grosso modo, coincide com o momento em que a internet está deixando de ser um produto de laboratório para ganhar a vida cotidiana. De forma ainda muito tímida, a rede figurou na máquina de propaganda do movimento indígena da região de Chiapas.

O site Ya Basta, por exemplo, tornou-se fonte confiável de notícias sobre o movimento, com cerca de 300 visitas semanais. Na época, menos de 2% da população mundial tinha acesso à rede.

Conforme o crescimento da web se tornava exponencial, sua importância para movimentos de rua crescia junto. O que antes era mera ferramenta para relatar acontecimentos virou instrumento fundamental para o próprio sucesso de movimentos.

Nesse sentido, os protestos antiglobalização de 1999 em, Seattle (EUA) são considerados um divisor de águas, por terem inviabilizado uma reunião da Organização Mundial do Comércio (OMC). Com comunicação ágil e em tempo real, os manifestantes conseguiram dar um nó nas autoridades locais, ainda operando em modo analógico e tentando a todo custo entender como grupos se materializavam subitamente em avenidas ou na porta de hotéis.

Vieram a invasão americana do Iraque, a Primavera Árabe e manifestações em locais tão distantes como Irã e Portugal, cada um dependendo em algum grau da rede mundial.

Na Venezuela, em 2002, a disseminação de supostos planos falsos do então presidente Hugo Chávez de fechar o regime contribuíram para o fracassado golpe contra ele. Ironicamente, foi essa tentativa frustrada de derrubá-lo que contribuiu para dar credibilidade ao discurso chavista de vitimização e levar à transformação efetiva do país em uma ditadura.

Em 2016, na eleição americana, a influência da internet tomou definitivamente um caminho sinistro, com a já documentada influência das fake news sobre o processo que elegeu Donald Trump. Em escala parecida, foi o que se viu no Brasil em 2018.

A arma é poderosa, resume o autor, e sua extensão sobre os movimentos sociais do futuro é impossível de ser prevista. Certo é que o ambiente sem comando da internet casou perfeitamente com as demandas descentralizadas dos dias atuais.

“Em três décadas, a internet transformou a forma como as pessoas protestam. Deu um novo fardamento para movimentos de indignação social em vários países do globo”, conclui o livro. “É o espaço para a construção do dissenso coletivo, um ímã que atrai as vozes sequiosas por mudanças.”